10 SUGESTÕES PARA DESCOLONIZAR O INCONSCIENTE – por Suely Rolnik

 

1. Desanestesiar a vulnerabilidade às forças em seus diagramas variáveis, potência da subjetividade em sua experiência fora-do-sujeito;

2. Ativar o saber-do-corpo: a experiência do mundo em sua condição de vivo, cujas forças produzem efeitos em nossa condição de vivente;

3. Desobstruir o acesso à tensa experiência do estranho-familiar;

4. Não denegar a fragilidade resultante da desterritorialização desestabilizadora que o estado estranho-familiar promove inevitavelmente;

5. Não interpretar a fragilidade e seu desconforto como ‘coisa ruim’, nem projetar sobre eles leituras fantasmáticas (ejaculações precoces do ego, provocadas por seu medo de desamparo e falência e suas consequências imaginárias: o repúdio, a rejeição, a exclusão social e a humilhação);

6. Não ceder à vontade de conservação das formas e à pressão que esta exerce contra a vontade de potência da vida em seu impulso de produção de diferença. Sustentar-se no fio tênue deste estado instável até que a imaginação criadora construa um lugar de corpo-e-fala que, por ser portador da pulsação do estranho-familiar, seja capaz de atualizar o mundo virtual que esta experiência anuncia, permitindo assim que as formas agonizantes acabem de morrer;

7. Não atropelar o tempo próprio da imaginação criadora, para evitar o risco de interromper a germinação de um mundo e, com isso, tornar a imaginação vulnerável a deixar-se desviar pelo regime colonial-cafetinístico. Tal desvio transforma a imaginação criadora em mera ‘criatividade’ a serviço da reprodução do status quo que, mascarado de ‘novidade’, torna-se sedutor e mobiliza o desejo de consumo;

8. Não abrir mão do desejo em sua ética de afirmação da vida, o que implica em mantê-la fecunda, fluindo em seu processo ilimitado de diferenciação;

9. Não negociar o inegociável: tudo aquilo que impediria a afirmação da vida, em sua essência de potência de criação. Aprender a distinguí-lo do negociável: tudo aquilo que se poderia reajustar porque não obstaculiza a manifestação da força vital instituinte mas, ao contrário, gera as condições objetivas para que ela se realize em seu destino de produção de acontecimento;

10. Praticar o pensamento em sua plena função: indissociavelmente ética, estética, política, crítica e clínica. Isto é, reimaginar o mundo em cada gesto, palavra, relação, modo de existir – toda vez que a vida assim o exigir;

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Vale lembrar que este trabalho de artesania de si, do qual depende a descolonização na esfera micropolítica, implica um esforço constante que jamais atinge sua plena e definitiva realização. Ao longo de nossa existência, oscilamos entre políticas do desejo que variam entre seus dois extremos.

De um lado, a submissão ao poder dos fantasmas que nos trazem de volta para nosso personagem habitual na cena colonial-capitalística, com o qual participamos das relações de abuso (o que inclui o personagem da vítima).

De outro, um trabalho sem fim para desmanchar este personagem, nos reapropriarmos da pulsão e, por ela guiados, criarmos um outro personagem, que esteja à altura da vida, encarnando sua potência de transfiguração. 

É neste horizonte que situam-se as pistas e sugestões aqui indicadas; elas trazem as marcas dos limites atuais de meu trabalho nesta direção.

Sendo este um trabalho infinito de cada um e de muitos, tais pistas e sugestões estão aqui para serem revistas, reajustadas, ampliadas, transformadas, multiplicadas ou até mesmo abandonadas em favor de outras, mais precisas e fecundas.

É isto o que espero com a apresentação destas ideias. 

Esta apresentação é, portanto, dedicada a todos aqueles cujos gestos instauram um território relacional onde os inconscientes encontram ressonâncias para sua insurreição: uma rede para aninhar os germes de futuros

* este texto se trata da continuação do Esferas da insurreição [pistas para distinguir macro e micropolítica] (clique aqui para acessar), apresentação de Suely Rolnik sob o título “Esferas da insurreição: sugestões para o combate à cafetinagem da vida, no VII ENECULT – Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, na Universidade Federal da Bahia – UFBA, 2017.

2 comentários em “10 SUGESTÕES PARA DESCOLONIZAR O INCONSCIENTE – por Suely Rolnik”

  1. Gostei quando a anfitriã disse que a Suely foi emprestada de outro evento. Porque afinal ela se comporta como mercadoria de luxo hahaha cobra horrores. Não assisti mais longe do que ela invocando a psiquiatria, logo das epígrafes… prefiro a micropolítica dos textos dela do que ao vivo, a dos textos ainda prestam. O negócio é não esperar nada de quem virar vanguarda

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