A fantasia de suicídio é indispensável. Nenhum ser humano pode prescindir dela, sobretudo na adolescência e naqueles que conservaram as qualidades da adolescência por toda a vida. Mas o fato de passar ao ato do suicídio é coisa completamente diferente, algo de neurótico, uma doença aguda e repentina, um pedido de socorro não atendido. Isso é o suicídio. É verdade que, se eu não tivesse tido ideias suicidas, não estaria plenamente viva. Todo o mundo, num momento ou noutro, tem ideias suicidas; quem não as teve ainda não passou a adolescência; mas terão, fiquem tranquilos… talvez com cinquenta anos! É necessário passar por isso; é um modo de entender os outros, que também passam por isso; um modo de não passar ao largo daqueles que clamam por socorro.
É importante que os jovens que tiveram ideias suicidas possam contar aos outros. Não se deve dizer: ‘Faça o favor de não falar desse jeito, que está dizendo asneiras!’, mas sim: ‘É mesmo? Conte essa.’ Felizmente há avós (eles se angustiam menos que os pais) capazes de dizer: ‘É mesmo! Conte essa! Sabe, isso me lembra…’ Há mesmo os que se lembram de romances em que alguém acaba se suicidando. Há transferência, ou seja, uma relação muito rica com uma avó, por exemplo, que nos faça ler um bom texto sobre suicídio de Werther ou de outro, por que não? O suicídio faz parte dos condicionamentos do pensamento humano por causa de nosso orgulho em nos dar vida, e nos dar morte. Somos feitos assim, queremos dominar tudo. Enfrentar a fantasia de suicídio e sobreviver é fazer o luto da onipotência.
Às vezes um filho, descontente com os pais, diz só para contrariá-los: ‘Pois bem, vou me matar!’ Os pais ficam desvairados, em vez de dizerem ao filho: ‘Desse jeito você não vai ter ninguém mais para reclamar!’ Cabe à mãe responder: ‘Conte-me, o que vai acontecer quando você morrer?’ O filho: ‘Você vai ficar bem chateada.’ A mãe: ‘Vou ficar triste.’ Há mães que acham que é esperteza responder: ‘Que bom! Vou ficar livre.’ Elas estão erradas por não levarem a sério. Nem é sério nem deixa de ser. É uma fantasia tentadora no ser humano, que a criança pode expressar em se sentir culpada. Vai ver que essa fantasia existe em todo o mundo. Ajuda-se uma pessoa mostrando-lhe que não é um pária por pensar nisso. Ela achava que isso era ruim, mas vê que faz parte da cultura, que é exprimível, é o drama humano de todos.
A solidão é inevitável, a angústia não é tão evitável, as fantasias de suicídio não são evitáveis. Todos temos de passar por isso. Não é nem bom nem mau. É a condição humana. Então, podemos colaborar uns com os outros. É viver. Que nem sempre se consegue, é verdade.
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FONTE:
DOLTO, F. In: Solidão. Ed. Martins Fontes.
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Sobre o livro:
A solidão caracteriza o pequeno ser luminoso desde o nascimento e o coloca em uma dependência radical do outro. Françoise Dolto usa constantemente sua experiência clínica e fatos de sua vida privada para traçar um amplo panorama da história do tema. Sem ser obra de psicanálise, tampouco de ciência, Solidão busca fazer com que o leitor tire o máximo de proveito da experiência clínica e profissional da autora.
Bravo Anderson! Sempre muito orgulho de você! Sucesso sempre! Um beijo grande. Nãna