A rua se arruína como o nariz de um sifilítico.
O rio é só volúpia que escorre em saliva.
Com sua roupa branca à mostra até o talo mais raquítico,
os jardins afundam em luxúria viva.
Saio para a praça,
um quarteirão de fogo
grassa em minha cabeça
como uma peruca ruiva.
As pessoas têm medo – em minha boca uiva
o tropel de um grito vomitando que não cessa.
Eu não serei nem condenado nem punido.
Meus passos serão atapetados como os de um profeta.
Todos sabem, com seus narizes em ruína,
que eu sou o seu poeta.
O juízo final me aterroriza como um bar.
Entre as casas em chamas serei o único ser
que as prostitutas levarão nos braços para oferecer
a deus, como uma relíquia, para se justificar.
E deus vai chorar lendo a poesia que eu faço.
Sem palavras, em convulsões rolantes, percorrerá comigo
os céus com meus poemas debaixo do braço
e os lerá, arquejante, de amigo em amigo.
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In: Maiakóvski: poemas / Vladimir Maiakóvski; tradução Boris Schnaiderman, Haroldo de Campos, Augusto de Campos. – Ed. especial revisada e ampliada – São Paulo: Perspectiva, 2017. 288 p.