Aula de 12/04/1989
Temas abordados nesta aula são aprofundados no capítulo 7 (Cisão Causal) do livro “Gilles Deleuze: A Grande Aventura do Pensamento”, de Claudio Ulpiano.
Lado A
A intenção, nesta aula, é mostrar para vocês os filósofos antiplatônicos. Inicialmente apenas duas filosofias da Grécia – Epicuro/Lucrécio, e os estoicos. O objetivo seriam esses dois, (certo?). Agora, eu tenho que levá-los a entender o problema. A minha questão, a questão que eu considero a principal – é sempre o problema entendido. Aí fica muito fácil de trabalhar.
Eu vou começar a mostrar a questão para vocês. [Para atingi-la], [no entanto], eu posso utilizar outros filósofos. Meu problema não é o filósofo… Meu problema é o problema. É essa a minha questão. Eu posso usar qualquer coisa – indiferentemente – desde que aquilo sirva. É uma prática importante no pensamento: a gente utiliza alguma coisa, a partir de que aquilo sirva. Depois, se não servir mais, joga-se fora – é um descartável! É exatamente o pensamento descartável.
Eu vou começar devagar porque provavelmente vai chegar mais gente. E chegando mais gente, não vai entender o que eu estou falando. Aí morre tudo, não tem jeito – não chegou no começo, não entende.
Primeira questão. Uma questão muito fácil. Nós usamos as palavras para falar. Usamo-las para nos comunicar. Mas cada palavra é dotada de muitos significados. Uma palavra não tem um único significado. Isso se chama equivocidade – a palavra é equívoca. Significa que ela teria, com ela, diversos significados – dependendo da maneira como você a usa. [Usada] de uma maneira – ela significa uma coisa. [Usada] de outra maneira – ela significa outra.
A palavra está articulada com o contexto e [é] por causa disso [que] ela é equívoca. Dizem os aristotélicos que ser inteiramente equívoca – é da essência da linguagem Por [isso], [quando] fazemos uma prática de comunicação, para podermos nos entender uns com os outros ao longo de uma conversa, procuramos manter o mesmo significado [de uma] palavra que está sendo usada. Senão, correremos o perigo de dizer a palavra em determinado momento, e dali a pouco repeti-la com outro significado – e aí o interlocutor não entende. (Certo?) Devido à equivocidade das palavras – portanto – nós procuramos manter uma palavra repetida – na sequência de um raciocínio – com o mesmo significado. É uma prática para evitar confusão. Há um exemplo muito claro disso na obra do Aristóteles.
Aristóteles concorda que as palavras sejam equívocas; logo, que tenham muitos significados. Mas diz que o raciocínio científico não poderia se processar se utilizasse palavras equívocas. Se eu construir um silogismo [do tipo] “Todo homem é mortal“; “Sócrates é homem” (etc.)… E o homem de “todo homem é mortal” tiver um significado… [diferente] do homem de “Sócrates é homem” – [essa diferença de significação] produzirá, de imediato, um desentendimento. [Daí], no decorrer de um raciocínio, [ser necessário] manter um mesmo significado. (Acho que todo mundo entendeu isso, não é?) [Manter] o mesmo significado – é o que permite a você ouvir tranquilamente aquilo que está sendo dito. (Acho que está bem claro o que eu disse, não está?)
Em segundo lugar. Você pega Freud, por exemplo – ele tem uma obra. Pega o Marx – ele tem uma obra. Pega um cientista qualquer – ele tem uma obra. Agora, as obras, quando são feitas – por exemplo, a obra do Marx; por exemplo, a obra do Freud – vão, ao longo da sua existência, se articular com diversos pensadores. Freud – por exemplo – se articula com um psicanalista francês, com a psicanálise inglesa e com a psicanálise americana… Cada um desses pensadores faz uma articulação diferente com a obra do Freud. O que implica em dizer, que a gente só pode entender uma obra, não naquilo que ela é – mas no seu devir. Ou seja – no processo da obra. Nos agenciamentos que a obra faz. Uma mesma ideia, na obra do Freud, vai ser [diferentemente] apreendida pela psicanálise inglesa e pela psicanálise americana. Então, nós não entendemos uma obra pelo que ela é – mas pelo seu devir.
O que quer dizer devir? Os agenciamentos que a obra faz. (Ficou claro isso?) Os agenciamentos que a obra faz com diferentes pensamentos. O que mostra que uma ideia da psicanálise ou uma ideia da obra do Freud só pode ser entendida [conforme] a composição que ela fizer. Ela faz uma composição aqui, faz uma composição lá! Não adianta querer entender a obra nela mesma. Entende-se [uma obra] em suas composições. Isso se chama – o devir da obra.
Vocês pegam o Marx, por exemplo, e vocês sabem as diversas composições que a obra de Marx fez na história – Lukács, Althusser, Gramsci… e vai embora… – cada um faz uma articulação com ela. E eu estou dizendo que a obra não é A obra. A obra é o devir-obra. Devir-obra – são as composições. (Vocês entenderam bem?)
Essa segunda ideia se opõe à primeira. Porque na primeira eu coloquei a existência de uma ideia que não muda pelas composições. (Foi assim que eu coloquei.) A ideia de homem é a mesma em “todo homem é mortal” e em “Sócrates é homem“. Na segunda posição, eu coloquei as composições das ideias. Então, nós teríamos a noção de que uma ideia [pode ser] compreend[ida] pelo que ela é; e [outra] noção de que uma ideia [pode ser] compreend[ida] pelas composições que ela faz. (Como é que foi isso daqui?) Compreender [uma ideia] pelas composições que ela faz… Isso é o movimento do pensamento – você não tem uma ideia em si mesma. Você só pode compreender a ideia através [dos] tipos de composição [que] ela fez. (Eu gostaria que vocês me dissessem se vocês entenderam.)
Vou dar um exemplo concreto: eu pego a ideia de cavalo. Porque cavalo é um ser real – de quatro patas, de dois olhos, que anda pelo mundo. Mas além de ser real – ele é uma ideia no meu pensamento. Eu posso ter a ideia de cavalo. Na hora em que eu penso “um cavalo puxando carroça” – eu faço um agenciamento da ideia de cavalo com a ideia de carroça. Na hora em que eu penso “um cavalo correndo no Jóquei Clube” – eu faço um agenciamento da ideia de cavalo com o Jóquei Clube – e produzo dois cavalos diferentes... porque a ideia se compôs – composição da ideia.
A ideia é aquilo que só pode ser pensado nas suas composições. [Segundo o] que eu disse… – o que é a criança? Ou, de outro modo – o que é a ideia de criança? Você só pode responder, dizendo que [tipos de] composição ela está fazendo. E aí vocês investigam a história e [verificam] que a ideia de criança, quando se conjuga com alguma outra ideia no século XVII, dá um tipo de criança diferente da criança moderna – porque são outros tipos de composição. Então, é pelas composições que nós vamos entender qualquer coisa. [E] isso é um modelo de pensamento.
Então eu vou reforçar mais uma vez: não estou pensando a ideia em si mesma. Ideia em si mesma tem um sinônimo – essência. A famosa palavra essência quer dizer – uma ideia em si mesma. Eu estou pensando as ideias – em composição. (Como é que você achou, O...?)
O que é a criança? Mais ou menos isso – “Diga-me com quem andas e eu te direi quem és“; diga-me com que ideia [alguma coisa] [se] compôs – e você passa a entender o que é aquilo. (Eu vou dar por entendido!)
Em segundo lugar. Ainda que uma ideia só possa ser entendida pela composição, ainda assim, uma ideia traz as suas forças próprias. O que eu quero dizer é [que] o cavalo se entende pelas composições que ele faz. [Se] ele faz duas composições diferentes – composição com a carroça e composição com o Jóquei – são dois cavalos. Mas o ser do cavalo traz as mesmas forças – a ideia traz as mesmas forças, em composições diferentes. Este maço de cigarros, por exemplo, está agenciado com a mesa. Eu [o] jogo na água… – ele [passa a se agenciar] com a água. Mas o ser deste maço de cigarro é o mesmo [nesses] diferentes agenciamentos. (Eu não sei se foi bem assim.) É o mesmo ser – em agenciamentos diferentes, (certo?) Não importa qual seja o agenciamento – o ser é o mesmo. Mas são os agenciamentos que vão fazer a diferença. (Eu vou esperar para ver se entenderam. O que você achou, A...?)
Aluna: [inaudível]
Claudio: O que eu estou dizendo, é o que está sendo passado nesta aula. Quando você pega a obra do Platão e do Aristóteles – a essência de um ser é o significado daquele ser, (certo?) O significado daquele ser é a essência do ser. E aquele significado não pode mudar, porque se o significado mudar – muda a essência do ser… Porque a essência é o significado. Na [outra] tese que eu estou passando, a essência de um ser não é o significado – é a potência daquele ser.
Aluno: [inaudível] a ideia de movimento.
Claudio: Sim, e daí, A..., a ideia de movimento? Olha, não faz assim, A..., que assim você se complica! É a coisa mais simples! A essência pensada por Platão e Aristóteles é o significado. O Lucrécio e os estoicos estão pensando essência = potência. Então para eles…
Qualquer coisa para o Lucrécio tem uma essência? Tem! Este maço de cigarro tem uma essência? Tem! Qual a essência dele? A [sua] potência! Ele tem um significado? Não! Ele vai ter significado através do agenciamento. O significado é um efeito das potências: não é originário – é secundário.
(A.…, vou repetir – para você pegar bem. Porque, talvez, muitos [dos] problemas que você tem em relação a esse tipo de filosofia – essas questões, marcas, signos, etc.- essas coisas que aparecem – você venha a resolver aqui. Veja o que eu estou dizendo:) Todo ser tem, o quê? Tem potência! Mas não tem, o quê? Significado! Ele não tem siginificado – ele tem potência. Agora, quando a potência de um ser entra em contato com a potência de outro ser, há um efeito – o efeito é o significado. (Entenderam? Vou tentar para ver se vocês entenderam mesmo, viu?)
Quem é que trabalha com potência, quem é que trabalha com significado?
Quem trabalha com significado é a linguagem; quem trabalha com potência é a física. Então, o campo do significado – logo, o campo dos efeitos das potências – é a linguagem. [Que] trabalha nele. Agora – a potência é o campo da física. (Vocês entenderam? Vocês têm que me dizer – porque nós estamos passando para uma fase muito bonita, muito bonita!) Quem é que trabalha com o significado? É a linguagem! Mas os significado é alguma coisa que pertence ao ser? Não! O ser não tem significado – tem potência. Então, a potência de um ser e a potência de outro ser se encontram… – e produzem um significado. Então, olhem o que aconteceu aqui. Eu não estou falando que a potência de um ser e a potência de um outro geram um efeito? O efeito é o significado. Mas eu não falei da potência dos dois seres? Logo, eu falei na potência de dois seres! O que implica em dizer, que aqui estão passando duas semióticas – uma semiótica da potência e uma semiótica do significado. (Vamos voltar outra vez. Vamos voltar outra vez. Vamos retornar. Vamos fazer uma elaboração, porque aí as coisas ficam muito claras!)
O que é uma essência para Platão? Para Platão a essência é o significado. E a essência para os estoicos? É uma potência. Logo, tem uma distinção rápida aqui. Rápida. A essência, para o Platão, é campo lógico e campo da linguagem. A essência, para os estoicos, é campo da física – porque fala em potência, em força…. então é física. Ambos trabalham em essência, mas para um, que são os estoicos – a essência é campo de força. Para o outro, que é o Platão, a essência é da ordem linguística – é campo do significado. (Entendeu, A...?)
Agora – os estoicos também vão falar em significado. O significado para eles é apenas um efeito do campo das potências. O significado pressupõe a composição das potências – cavalo com carroça, por exemplo. Aí produz o significado. O significado não é originário – é secundário. (Entendeu, A...?)
Aluno: [inaudível]
Claudio: O que você tem aqui é o mundo dividido em duas metades. A metade do significado e a metade das potências. Você tem dois mundos aqui – da potência e do significado. O campo da potência e o campo dos significados – dois mundos! (Não sei se vocês já conseguiram entender, não sei. Olha, eu estou com todas as disposições para vocês perguntarem… Porque tem muita informação para eu dar, então precisa me avisar se houve domínio. A..., vou visar você:)
Diferença da essência dos estoicos para a essência do Aristóteles e do Platão – Platão e Aristóteles – ambos – chamam a essência de… significado. [Enquanto que] os estoicos chamam a essência de… potência. Pronto!
Agora – há um campo do significado nos estoicos? Há! Esse campo do significado dos estoicos não é um campo de forças – é um efeito. Um efeito das potências. (Daí emerge uma questão, que eu tenho que ver se vocês entenderam, senão [será preciso] retornar.)
Eu estou falando do campo das potências? Estou falando do campo dos significados? Então. Eu disse para vocês que o campo das potências não era da ordem da linguagem… (Vamos voltar novamente. Vamos ver se vocês dão conta e vocês me avisam: Óh, dei conta! – Eu sei que alguns já deram conta.)
É só uma mudança de nomenclatura. Mudança na ideia de essência. Ideia de essência em Platão = significado. Ideia de essência nos estoicos = potência. Na aula passada, eu falei que a essência nos estoicos é um germe que visa a expansão. Isso que é a essência deles – um germe expansivo. Enquanto que a essência em Platão é campo do significado. (Tá certo?)
Agora, para os estoicos, existe o campo do significado, mas o campo do significado não é o campo das potências. É um efeito das potências. Na linguagem estoica, o campo das potências [é] o campo dos corpos; o campo do significado [é] o campo do acontecimento. Então, são dois mundos para os estoicos. O dos corpos – [é] a física. E o dos acontecimentos – [é] a lógica. (Como é que foi? Eu ainda não estou satisfeito, viu? Não estou. Ainda não foi, não é? Não foi. Ainda não foi. Só há como ir se vocês me perguntarem… porque eu não fico sabendo onde é que não está indo.)
Aluno: [inaudível]
Claudio: Não, não A... Vamos primeiro entender o que é isso que eu estou dizendo. Por exemplo – eu sou um corpo? Qual é a essência do meu corpo? Potência! A essência do meu corpo é potência… Meu corpo tem algum significado? Não! Ele não tem significado. Ele tem potência. É isso que ele tem. Agora, quando o meu corpo se encontra com outro corpo, ele produz – junto com o outro corpo – um efeito. O efeito não é potência. É significado.
Aluno: [inaudível]
Claudio: Se esses corpos são os poderes?? São!!
Aluno: [inaudível]
Claudio: Exatamente, exatamente. Só que a resposta foi só para você, não é? Os outros não vão entender. Fala, A.…
Aluno: [inaudível]
Claudio: Não, A... Você não pode falar em nenhum corpo que não esteja conjugado com outro corpo – eu expliquei isto na aula passada. Um corpo é sempre uma conjugação com outro corpo. É sempre uma conjugação de potências. Sempre que você encontrar um corpo, ele está conjugado com outro corpo. Então – necessariamente – aparece o campo do significado. Porque o campo do significado é um efeito da composição das potências. Então, aparece o campo do significado. Mas o campo do significado não é potência. É, apenas, efeito da potência. (Eu não sei mais como eu falo, ouviu? Sinceramente, eu já não sei mais. Só se vocês fizerem perguntas, aí eu quebro o galho. Agora eu já me repeti… Aliás isso ocorre! É muito interessante que o Gilles Deleuze, quando escreve a “Lógica do sentido“, repete uma mesma coisa umas 35 vezes até que ele diz: Bom, eu não tenho mais nada a dizer! Ele repetiu 35 vezes aquilo. O Deleuze…)
(Não há mais o que falar… – a não ser que vocês perguntem. Aí eu dou derivadas. Bom, vamos lá.)
Aluno: [alguém afirma que já está claro]
Claudio: Não para todos. Não para todos. Para ela não está.
Aluno: [inaudível]
Claudio: É! A lei de um corpo.
Aluno: [inaudível]
Claudio: Sim, Heidegger. Poderia chamar diferencial, a diferença ontológica, será que é isso? Provavelmente é. É o campo da diferença. Que esses corpos quando se encontram… eles produzem um efeito – esse efeito é o campo do significado. O campo do significado. Eu vou tentar melhorar tua pergunta.
(Bom, vamos pegar assim… Agora, prestem atenção ao que eu falei.) Olhem o que eu falei: Eu falei… quando nós usamos a linguagem – e nós não paramos de usar a linguagem – qual é a função que nós [exercemos] quando a usamos? É para produzir, o quê? Significados!! Todo mundo usa a linguagem para produzir significados! É nítido, é facílimo entender isso. Todos nós estamos usando a linguagem, produzindo significados… ainda que a palavra significado possa ser uma palavra muito geral. Mas é evidente que se eu chego para você e digo assim: bláblábláblá. Você diz – não entendi, porque não tem significado! A linguagem está sempre articulada com essa questão do significado. Então, é evidente que a linguagem está articulada com o efeito do campo das potências. (Entenderam, ou não?)
Mas aparece um problema. Por que aparece um problema? Porque eu falei dos corpos!!! Eu falei da potência, falei dos corpos, mas disse que o campo das potências não é o campo do significado. Eu estou usando a linguagem para falar de alguma coisa que não é do reino do significado. (Não sei se vocês entenderam!) Eu estou usando a própria linguagem para falar de algo que não é do reino do significado… Então, complica! Complica! Se a linguagem tem a função de falar do significado… e nós usamos a linguagem para falar de alguma coisa que não é do reino do significado, pois a linguagem fala dos corpos…. Então ou a linguagem não poderia falar daquilo, ou não poderia existir na história o que se chama semiótica… [trecho duvidoso… defeito na fita]
O que é semiótica? É a ciência dos signos. E a semiótica que fala dos efeitos é uma semiótica do significado; a semiótica que fala dos corpos é uma semiótica energética. Apareceu alguma coisa nova – uma semiótica que não trabalharia com o campo da significação. (Eu não sei se foi bem aqui, se deu para entender…) Imediatamente alguma coisa de nova apareceu. Ou seja: nós temos uma ilusão de que a semiótica é sempre uma semiótica da significação. Mas, por este exemplo que eu estou passando para vocês, a semiótica não precisa ser somente da significação. No caso, ela também pode ser uma semiótica energética. (Agora vamos ver se passou! Não, eu acho que não, que eu fracassei. Devido ao meu fracasso, eu peço a alguém para me dar um café.)
(Vamos tentar um exemplo miserável. Da ordem da miséria total: para vocês entenderem.)
Qual o significado, digamos, do amor? Então, eu daria essa prova para vocês. E aí, cada um de vocês iria escrever o significado do amor. Viriam provas lindíssimas, (não é?). Eu ficaria aqui deslumbrado! Coisas lindíssimas!! Ai eu perguntaria a vocês… Qual é o significado da enzima. (Quer falar um pouco sobre a enzima, L...?) Você vai verificar que quando os biólogos estudam a enzima, eles não estão preocupados com o significado da enzima, mas com as funções dela.
Aluno: O significado não é consequência da função?
Claudio: É, é consequência da função! Mas quem está trabalhando numa semiótica energética não está procurando significações. Está procurando o funcionamento. A ele não interessa o que significa aquilo. A ele interessa como aquilo funciona.
Aluno: Há aqui também uma certa linguística.
Claudio: [Sim.] Uma certa linguística, exatamente. Uma certa linguística, que, em vez… – pode-se falar até na filosofia analítica inglesa -…em vez de você se preocupar com a significação, você está preocupado em saber a função daquilo. Como aquilo funciona.
Aluno: Pode-se [inaudível] o amor [inaudível] uma energética, não é?
Claudio: Pode… deve-se, inclusive. Deve-se inclusive!! Porque o amor é um corpo. O amor é um corpo! Se o amor não fosse um corpo, a R... Não estava grávida. (Você entendeu, ou ainda não, A...? Está melhorando, B...?, fala lá!)
Na semiótica energética – o que eu estou chamando de semiótica energética – não é a investigação da significação. É a investigação da força, da função, do uso daquilo. (Certo? Eu agora vou dar uma pausa e ver se eu consegui ser entendido. Fui entendido? Heim!? Você entendeu, C...? Olha lá, heim? Você me responde assim… Há alguns que eu sei que entenderam. Outros, eu fico em dúvida! Bom. Vou dizer que entenderam.)
O que ocorre na história – segundo alguns pensadores – é que existiriam diversas semióticas, e não só essas duas. Eu coloquei duas: semiótica energética e semiótica do significado. Mas existiria mais do que isso. Existiriam múltiplas semióticas. A nós vão interessar as duas que os estoicos estão trabalhando: uma, a do significado; outra, a energética. (Como você está indo, T...?)
Agora eu sou um filósofo estoico. E vou começar a falar dos corpos. Eu estou fazendo uma pesquisa de significado? Não! Eu estou fazendo uma pesquisa de potência, de funcionamento – como é que aquilo funciona. Os corpos funcionam… porque os corpos – literalmente – não significam nada! (É muito duro isso daqui!) Eles não têm nenhuma significação – mas funcionam. Não são do campo da significação: o campo da significação é efeito dos corpos. (Pronto! Dei por entendido!)
Aluno: Quer dizer que o corpo só tem sentido quando aliado à sua função?
Claudio: Mais grave ainda! O corpo não é aquilo que se entende por sentido e por significado. O corpo se entende pela função, pelo uso e pelas práticas potenciais – assim que se entende o corpo. (Certo?).
[Ao dizer] que os corpos não podem ser explicados pela semiótica do significado, [os estoicos] estão fazendo um longo deslocamento. Utilizar a semiótica do significado para compreender os corpos, [é] uma tremenda tolice – porque corpo é campo de potência. (Como é que você foi, E...?)
Agora, [a questão do] significado. O que é o significado? O significado é um efeito da composição dos corpos. O que mostra que o mundo estoico é dividido em duas séries – a série acontecimento e a série corpo. [É] assim que eles dividem o mundo. De um lado, o corpo e do outro, o acontecimento. O acontecimento é uma entidade significativa. Mas não é uma entidade potência. A potência é o corpo. (Eu acho que foi bem!) Aqui você tem literalmente a física estoica. (Atenção para os domínios do que vai aparecer aqui.) A física estoica é facílima – é potência, corpos, germes e expansão. Isso é a física deles.
E você tem a lógica dos estoicos: a lógica dos estoicos é o campo do significado. (Entenderam?) Se você for um lógico, trabalha em significados. Se você for um físico, trabalha [com a] potência. (Pronto! Não tem dificuldade de se entender. Você entendeu, P...? Não tem dificuldade de se entender.)
(Agora nós vamos entrar numa página difícil… Vamos entrar num momento muito difícil. E eu pergunto novamente se isso está entendido… porque é a base para entender o que vem [em seguida]. (Certo?) Vamos trabalhar:)
Aluna: [inaudível]
Claudio: Olha, não! Não. Nós vamos examinar o que é exatamente o acontecimento. Mas a natureza dos acontecimentos é diferente da natureza dos corpos. A natureza dos corpos é a potência. A natureza do acontecimento é o significado. (Vamos começar, agora, a fazer um trabalho radical. Radical e rigoroso… para vocês entenderem o que vai acontecer aqui. Então vamos.)
Primeira parte do trabalho – (que só pode ficar entendida se vocês [tiverem compreendido o que eu [acabei de] explicar.)
Há uma lógica dos estoicos. A lógica dos estoicos é a dos corpos? Não. A lógica é dos acontecimentos. É isso a lógica dos estoicos. Agora – no Aristóteles há, também, uma física e uma lógica… Mas a lógica aristotélica… – A lógica, não estou falando dos corpos! -… não é a lógica do acontecimento, é a lógica do conceito. Nós, agora, temos que distinguir a lógica do conceito de uma lógica do acontecimento. Não sei se vocês entenderam aqui: há uma diferença inicial e uma identidade entre Aristóteles e os estoicos – porque para Aristóteles há corpos e lógica – física e lógica; para os estoicos [também] há física e lógica. A física dos estoicos é a potência dos corpos, a lógica dos estoicos é o acontecimento; a lógica do Aristóteles é a lógica dos conceitos. (Entenderam? Agora eu vou fazer uma explicação para vocês. Você entendeu, B...? São coisas totalmente novas, não é? Inteiramente novas.)
Todo corpo vivo tem a capacidade de representar os corpos que o afetam. Todo corpo vivo representa [em si] o corpo que o afeta. Por exemplo, a imagem do B.… me afeta… – eu represento B.… dentro de mim. Para ficar bem claro: todos os corpos vivos ou – para ficar ainda mais claro: antropológicos… (e aí não tem como errar…) Ou seja: todo corpo humano pode representar, nele, os corpos que o afetam. Afetou – consequência – representação. Certo? Então, C.… me afetou… – eu represento C.…
O que quer dizer representação? Representação quer dizer que alguma coisa que está presente fora de mim, está re-presente dentro de mim. (Não sei se vocês entenderam…) E.… está presente. E eu tenho a imagem da E.… Isso é a representação. Eu represento aquilo que está fora de mim, a partir do instante em que aquilo que está fora de mim me afeta. Se não me afetar, não [faço a representação]. Segundo [um aluno] físico, eu não posso ter, por exemplo, a capacidade de representar determinados sons que o cachorro representa. Não é isso? Porque [esses sons] não me afetam. Eu represento aquilo que me afeta – representação é sinônimo de marca. Eu represento, porque eu sou marcado por aquilo. Nos estoicos, isso se chama – representação sensível. Nós, os humanos, somos capazes de fazer representações sensíveis de tudo aquilo que nos afeta. (Entendido?)
Além disso, nós somos capazes de fazer a representação racional. A representação racional é extrair, das representações sensíveis, semelhanças e identidades. (Vocês entenderam?) Por exemplo – neste instante, eu estou sendo afetado por vocês. Então, de cada um de vocês [aqui presentes], eu faço uma representação sensível. A representação racional é retirar de vocês o que é diferente e ficar com o que em vocês é semelhante. (Não sei se entenderam…). Ou seja: pela representação racional, eu construo a ideia de homem. A ideia de homem não é uma representação sensível. Ela é uma representação racional originada no conjunto das representações sensíveis. Aí eu constituo a ideia de homem. De onde eu tirei a ideia de homem? Eu tirei a ideia de homem das representações sensíveis… porque eu excluo, das representações sensíveis, as diferenças: não me importa que o B.… seja maior que a O.… – me importa que o B.… e a O.… tenham um tamanho. Não me importa se o B.… pensa diferente da O.… – me importa que ambos pensam. Eu fico com o comum, excluo o singular – e formo a representação racional. O conceito é a representação racional. (certo?) Para quem? Para os estoicos. O conceito para eles seria a representação racional. (Entenderam?)
Aluno: [inaudível]
Claudio: Não, mas a teoria dos conceitos do Aristóteles não é exatamente dessa maneira. Mas não importa! O que importa aqui é a teoria dos conceitos dos estoicos, depois eu [explico] a do Aristóteles – que tem muita semelhança com isso aqui. Muita semelhança. Mas não importa… – o que importa agora é a dos estoicos. Logo, para os estoicos, existe ou não representações sensíveis e representações racionais? Existe! Mas a representação sensível e a representação racional são práticas corporais: são dos corpos – porque afetam os corpos. E a questão da lógica deles não é dos corpos. Então – a lógica dos estoicos não é uma lógica da representação. (Se não entendeu, nunca mais vai entender!) Os estoicos vão gerar uma lógica fora da lógica-modelo do Ocidente, que é a lógica da representação. Eles vão fazer uma lógica do acontecimento – que eu passo a explicar depois de tomar um café e descansar um pouquinho.
Lado B:
A segunda parte que eu vou dar, não vai ser difícil, não. (B.… ficou assustado!) [O] difícil, não é difícil só para vocês – é para mim também, pela intensa originalidade do que os estoicos estão dizendo.
Há um texto em que os estoicos dizem que se Adão… – Por que Adão? Porque Adão é o primeiro homem! – …que, se Adão olhar para uma lagoa, de maneira nenhuma ele conseguirá descobrir que se entrar lá no fundo [de suas águas], ele morrerá asfixiado. Dizem eles, que olhar para a lagoa, não [é suficiente para] descobrir que a lagoa afoga. Nem olhar para o fogo [dá para] descobrir que o fogo queima. O que os estoicos estão dizendo, é que a representação sensível, pelo menos da água e do fogo, não gera conhecimento. Você tem aquela representação sensível, mas [com ela] você não descobre nada daquilo dali. De alguma maneira, eles estão colocando em crise um conhecimento fundado na representação sensível. Ponto.
Segundo: Para os estoicos, na hora em que você faz uma representação racional, você utiliza substantivos comuns – a mesa, a cadeira, o homem. [Faz-se] representações racionais, utilizando[-se] substantivos para representar o objeto racional. O objeto racional é diferente do objeto sensível. O objeto sensível é individual, e o objeto racional é a coleção dos indivíduos menos a suas diferenças. Aí, utiliza-se substantivos para fazer a representação racional. (Entenderam?) Mas quando você for trabalhar no acontecimento, você [emprega] os verbos no infinitivo. O que nós descobrimos aqui? Que no campo das representações sensíveis e das representações racionais, você tem dois tipos de linguagem: a linguagem do nome próprio, para as representações sensíveis; e a linguagem do substantivo comum para as representações racionais. Mas, o acontecimento, não se diz nem com substantivo nem com o nome próprio – diz-se com verbos no infinitivo. (Até aqui tudo bem?) Então, se eu disser, [de modo] ainda muito vago, mas se eu disser – “amar” – o que é isso? É um acontecimento. Porque o acontecimento é dito por um verbo no infinitivo – ou no gerúndio, amar / amando, tanto faz. Enquanto que as representações racionais são feitas por substantivos comuns e as representações sensíveis com substantivos próprios. (Está certo?) “Bento” – esse nome representa, o quê? Uma representação sensível; “O homem” – é uma representação racional. (Tá certo?)
Agora vamos ver o que é o acontecimento. Aí é que é barra pesada! Vamos tentar entender o que é o acontecimento:
Na primeira parte da aula, eu falei na existência de uma física – que seria das potências dos corpos; e falei de uma lógica – que seria a lógica do acontecimento. A primeira grande e terrível distinção estoica [é que] a natureza é constituída de corpos e incorporais. O incorporal – não sabemos o que é – é do campo do acontecimento. A única coisa que nós sabemos é que quando eu falar em acontecimento, eu não estou falando em corpo, eu não estou falando em potência. Eu estou falando em acontecimento e incorporais. E, o que é mais importante: o acontecimento é um efeito, ele nunca é causa – ele é efeito do campo dos corpos. É o campo dos corpos que produz o efeito acontecimento. (É dificílima essa colocação!)
O que está ocorrendo aqui? Adão olha a água, e nesse olhar, ele não compreende que a água é capaz de afogar. Ele não compreende! Mas, no momento em que Adão fizer uma experiência com a água, ele vai descobrir que se ficar [sob] a água… – ele vai-se afogar. O que vai acontecer aqui? Na hora em que Adão olha para a água, ele tem [dela] uma representação sensível. Logo, Adão está numa dimensão do tempo – na dimenão presente. Então – corpos, potência de corpos e as representações sensíveis se dão na dimensão presente [do tempo]. Mas depois de ter feito essa experiência, e de compreender que a água afoga… – ele é capaz de fazer dentro dele uma ideia do futuro.
O que é uma ideia do futuro? Ele faz a ideia: “se meu corpo se conjugar com o corpo da água, eu vou-me afogar“. Já – afogar – não vem da experiência – é alguma coisa que está no futuro. Ou seja: o acontecimento traz para o mundo o que o mundo não tem – porque o mundo é constituído de corpos e potências no presente. O acontecimento traz o futuro. Traz o futuro. Adão consegue agora ir além da experiência – ele vai mais longe. Ele vai à compreensão do que acontecerá… – se ele entrar debaixo daquela água. Isso não está no presente. Isso está no futuro. O acontecimento é a chegada de uma nova dimensão do tempo. (Não sei se foi bem!? Entenderam?)
O acontecimento está trazendo para dentro da natureza uma dimensão do tempo que os corpos não têm – porque os corpos só teriam a dimensão presente. O acontecimento é a possibilidade do homem ultrapassar a experiência. Ele ultrapassa a experiência. Ele vai além da experiência. Ele sabe o resultado dos encontros dos corpos. Por isso que o acontecimento é dito por um verbo no infinitivo. Afogar, queimar… – botar a mão no fogo e queimar.
Por que o homem não bota a mão no fogo? Porque ele tem dentro dele um sentido que não está no mundo – está no espírito dele. (Entenderam?) O espírito dele é que contém aquilo – mas o acontecimento é inteiramente real. (Não sei se entenderam…) Está aparecendo alguma coisa que não é dada nas representações, mas é o poder que o sujeito humano tem de ultrapassar o campo das experiências, e se projetar para o futuro. Ele se projeta para o futuro – por causa do acontecimento. Porque o acontecimento é o resultado do encontro dos corpos e o espírito humano tem o sentido dele. (Eu acho que ficou difícil, heim? Ficou difícil, C...? Vocês tinham que falar um pouco. Eu vou voltar – com outras terminologias. Mas já falando comigo – para ver se eu consigo passar isso para vocês.)
Aluno: [inaudível]
Claudio: Olha, é abstração – de alguma maneira… porque ele acontece no espírito. Mas, simultaneamente, ele acontece no real. Ele acontece no real. Ele é inteiramente real… e é espiritual – mas não é algo do corpo – é uma consequência do encontro dos corpos. Queimar e afogar não são corpos – são consequências... consequências! É exatamente porque os homens possuem o acontecimento – que eles ultrapassam o campo experimental. Eles vão acima da experiência. Eles trazem – para a natureza – o futuro. (Não foi bem não, não é? Foi muito cruel…)
Aluno: Claudio, você pode ultrapassar o acontecimento em algum momento, já sabendo…
Claudio: Sim, mas o importante, O..., o importante aqui é que essa tese mostra que o sujeito humano não está dependente das representações – ele pode ir mais longe. Ele vai além das representações. Ele vai além da natureza. Ou seja: o espírito humano é aquilo que ultrapassa a natureza. Ele ultrapassa a natureza – exatamente pelo processo do acontecimento. Ele tem – nele – o sentido dos encontros dos corpos. É isso que ele está trazendo de novo. A lógica do acontecimento não é uma lógica prisioneira da representação. Ela vai além da representação. É uma lógica que ultrapassa, inclusive, o tempo presente – remete-nos para o futuro. Eu digo: “eu não boto a mão no fogo porque eu vou me queimar…” E eu só digo isso – porque eu tenho o sentido.
Vamos voltar: o mundo da representação é um mundo presente. Você só pode representar aquilo que está no presente. Eu represento Bento. Re-presento. Retorno com o presente. O mundo do acontecimento libera para nós – pelo menos nesta aula – uma dimensão do tempo que o mundo dos corpos não liberou. A dimensão futuro só pode aparecer em nós pelo acontecimento – não pelos corpos.
Pelos corpos só temos o presente. Mais nada. Enquanto que o acontecimento já nos leva a ter saber – sem que nada tenha acontecido. Construímos um saber que não é dependente das representações. (É óbvio demais para ser claro! O problema é de verdade! É a clareza do que [os estoicos] estão dizendo.) Porque você só tem esse saber porque há o acontecimento. (Vou tentar de outra maneira:)
Uma teoria do tempo dos estoicos, vamos tentar por aí. Quando os estoicos falam dos corpos, eles fazem uma física; e eles colocam que falar em corpo e falar presente é a mesma coisa. Porque o corpo é aquilo que está limitado – necessariamente – pelo hic et nunc – o aqui e o agora. Todo corpo tem um limite… Qual é? É o aqui e o agora. Qualquer corpo necessariamente está num aqui e num agora – não há outro jeito. Se vocês fizerem alguma hipótese de que [isso é possível], digam para mim. Nenhum corpo pode estar fora do seu lugar e fora do seu presente. Está no presente e no lugar. Necessariamente.
Então, quando você trabalha com os corpos, quando você trabalha com a física, é uma física do presente. Tudo é presente! E o acontecimento introduz duas dimensões do tempo que o corpo não tem – o passado e o futuro. Neste instante, eu só estou falando do futuro. Ou seja, o acontecimento, o efeito dos corpos, traria – como consequência de sua aparição – novas dimensões do tempo – que é o passado e o futuro, que no mundo dos corpos nós não teríamos. Se nós estivéssemos presos às representações, nós estaríamos presos ao aqui e agora. (Eu não sei se foi bem, se vocês entenderam…)
O grande problema não é ter dúvida sobre o que eles estão dizendo – é aceitar – literalmente – o que eles estão dizendo. E se vocês quiserem fazer uma experiência… vejam se um corpo pode estar fora do presente e do lugar. Não pode! Todo corpo está no presente… – é isso que eles estão dizendo. O ser dos corpos, a dimensão dos corpos é o presente. Então, toda a nossa experiência é uma experiência de quê? É uma experiência de corpo, é uma experiência de presente! De que maneira nós podemos ultrapassar a experiência? De que maneira nós podemos sair da prisão do presente? Através do acontecimento. É o acontecimento que vai permitir a emergência dessas duas dimensões: passado e futuro. (Eu acho que está muito forte por hoje, não é? Eu vou abrandar um pouquinho alguma coisa aqui… Deixa que eu retorno na próxima aula. Acho que já está muito forte por hoje, já está havendo problema. Eu vou dar só um exemplo e vou sair.)
Há um autor moderno, um lógico inglês – que escreveu muito sobre o acontecimento. É o Lewis Caroll. Alice no país das maravilhas, etc. Isso tudo é lógica do acontecimento. Por isso é que nós temos dificuldade de entender – porque nós estamos acostumados a trabalhar com conceitos. Conceitos na representação sensível e na representação racional. Quando ele introduz a noção de acontecimento, o que ocorre? No acontecimento, o que não existe, em termos de dimensões temporais? Não existe o presente. No acontecimento não existe o presente. O presente é só do corpo. Então, a grande originalidade dos estoicos – esta é a grande originalidade deles – é ter dividido o tempo em duas dimensões: de um lado o presente – dos corpos; de outro lado o passado e o futuro – dos acontecimentos. (Eu acho que está bom por hoje, viu?)
Fala, K.…
Aluna: O acontecimento não pode ser re-presentado.
Claudio: Não pode, não é presente!?…
Aluna: A representação [inaudível] que ela é, reproduz a [inaudível] passada. Porque quando [inaudível] e eu re-apresento.
Claudio: Olha, eu acho que você mesma disse que não reproduz. O que você tem presente é a imagem… Agora – você codifica ou pontua essa imagem como do passado… – mas o que você tem é o presente. A imagem é inteiramente presente. (Entendeu?)
Aluna: [inaudível] o passado […] da imagem […].
Claudio: Não, o passado é do acontecimento. É uma pergunta heideggeriana. Heidegger já fez essa pergunta. O que torna, digamos, este móvel antigo? O que torna isto aqui antigo? Porque quando você está no campo do corpo, tudo que você tem é presente. Isto daqui é presente. [inaudível] Mas o que eu tenho dentro de mim é uma imagem presente.
Aluno: [inaudível]
Claudio: Não, não, porque, veja bem – a imagem é um corpo presente em mim, não importa. Não há como o corpo sair do presente. Não há. Ele não tem como sair – ele está sempre prisioneiro do presente. A lei do corpo é o presente. (Ficou difícil, B.?)
É muito fácil. Neste instante eu estou com a imagem de Macaé – que é a minha cidade. Mas eu estou com a imagem em “mil novecentos e antigamente”. (Tá certo?) Mas a imagem que eu tenho aqui, em mim, é presente. É presente! O corpo não tem como escapar disso – ele só vive no âmbito do presente. A dimensão do corpo é o presente. Se não houvesse o acontecimento… (Eu volto na aula que vem, eu volto com muito mais firmeza, porque nós já passamos pelas dificuldades do corpo… É o acontecimento que vai trazer essas duas dimensões – passado e futuro. O que mostra que o acontecimento é o poder que um corpo tem de sair do presente. O corpo sai do presente pelo acontecimento).
Agora eu vou deixar de lado, e vou dar pequenos exemplos de outra teoria que pega isso daqui:
Eu vou fazer uma coisa simples para vocês. Eu vou pegar um relógio. Um relógio tem um ponteiro de minutos e um de segundos. O segundo é a menor unidade de tempo do relógio. Eu vou chamar de menor unidade de tempo metafísica o instante. No relógio da metafísica – o instante é a menor unidade. (Entenderam?) Então – Agora, eu vou dizer que a natureza seria um conjunto de instantes. Agora, eu estou no instante A. Agora, eu estou no instante B – o instante A virou passado. Agora, eu estou no instante C – o instante B virou passado. Então, o tempo seria pensado numa sucessão de instantes. (Certo?) A cada tempo eu estou, eu estou no tempo presente. Eu saio de um tempo presente – saio de um instante – e passo para outro instante. Eu passo de um presente para outro presente. Eu vou fazendo isso, saindo de um presente para outro presente, para outro presente… [indefinidamente…] Isso seria uma teoria do tempo.
Agora – eu não sei se vocês conhecem um [fenômeno famoso] chamado dejà vu? Vocês conhecem, o dejà vu é quando você chega em um lugar e você diz: “Eu conheço este lugar” – ainda que você nunca tenha ido a ele.
Um acontecimento que se dá com os atores. Muitos atores estão representando – Hamlet, por exemplo – e estão, simultaeamente, se vendo representar. Eles representam e se vêem representar. Vocês conhecem esse fenômeno? É um fenômeno comum… Você está fazendo alguma coisa e está se vendo fazer aquilo. (Entenderam?)
O dejà-vu – que é muito mais claro – é quando você mistura aquilo que você está vendo com alguma coisa que “tivesse” acontecido na sua vida. É exatamente a tese dos estoicos – eles dizem que nós não convivemos com o tempo como se o tempo fosse presente – o tempo é imediatamente, para nós, presente e passado. Ou seja: ao olhar para o Bento, eu estou – [ao mesmo tempo] – percebendo e memorizando o Bento. O tempo não pode ser pensado como uma entidade apenas presente, ele é – simultaneamente – presente e passado. Por isso é que você entra em contato com alguma coisa no presente e – ao mesmo tempo – aquela coisa já é passado. Simultaneamente. É esse o fenômeno de você se ver representado. É esse o fenômeno do dejà-vu. Aquilo é simultaneamente presente e passado. É exatamente essa a tese que eles estão querendo explicar pela teoria do acontecimento.
Eu vou dar por terminada essa aula, porque eu não aguento mais… Nós voltamos à teoria do acontecimento, muito mais fortalecidos, na próxima aula, muito mais fortalecidos!
Aqueles que quiserem algum texto, eu tenho os textos básicos… e eu acredito que na próxima aula eu já possa passá-los para vocês.
FONTE
ACERVO CLAUDIO ULPIANO.
Curso regular realizado na Escola Senador Correia, RJ.