Estamos em busca de uma “vitalidade”. Mesmo a psicanálise tem necessidade de se dirigir a uma “vitalidade” no doente, uma vitalidade que o doente perdeu, mas a psicanálise também. A vitalidade filosófica está muito próxima de nós; a vitalidade política também. Estamos próximos de muitas coisas e de muitas repetições decisivas e de muitas mudanças. – Gilles Deleuze[1]
O anti-Édipo consiste em um diálogo crítico e próximo com a psicanálise: às vezes provocativo, mas frequentemente repleto de humor. Uma das diferenças essenciais que o distingue da disputa conduzida por Castel, que lhe é mais ou menos contemporânea[2], é que não acontece fora do campo analítico ou em nome de razões sociológicas, mas, pelo contrário, no interior do espaço analítico e em nome da clínica. Com efeito, se trata de colocar em evidência os efeitos normativos da teoria analítica na clínica para poder se reconectar “com a inventividade originária da psicanálise”.[3] Assim, como indica o título da obra, não se trata de fazer antipsicanálise, mas de construir uma “máquina de guerra” contra a abordagem clínica que é adotada por certas práticas psicanalíticas quando lidam com a psicose e recorrem precipitadamente ao complexo de Édipo e à teoria da foraclusão.
Sem dúvida, objetar-se-á que os psicanalistas não se utilizam apenas de Édipo. Eles não dispõem de outros “conceitos fundamentais” e até mesmo de outras mitologias? Além disso, alguns essenciais conceitos psicanalíticos não assumem inevitavelmente o caráter de mitos, como o próprio Freud declara a propósito da “pulsão”[4]? E, uma vez que o estruturalismo considera sobretudo funções simbólicas e não a existência de figuras parentais imaginárias, por que colocar sobre o mesmo plano o conceito lacaniano de foraclusão e o conceito freudiano de complexo de Édipo? Por fim, em psicanálise, as coisas não são infinitamente mais complexas do que sugerem Deleuze e Guattari, e o “anti-edipianismo” hoje não beira a um bordão baseado em conceitos psicanalíticos mal compreendidos, de velhas ideias revolucionárias, devaneios sex-gauchistes[5] e outros absurdos de “anarlistas” [sic] incapazes de “suportarem sua própria angústia” [resic]?
Na realidade, O anti-Édipo não foi o único a ser alvo de tal processo antiquado. Na década de 1980, seguindo os passos de François Furet, cuja leitura reacionária da Revolução francesa dominou a cena intelectual da época (a ponto de atrasar o lançamento da obra de Hobsbawm até o final dos anos 1990), ou antecipando a de Francis Fukuyama, que alguns anos mais tarde ganhou as manchetes por anunciar o “fim da História”[6], os historiadores e neofilósofos gostaram de descrever os anos 68 como anos “de errância”, “cegueira” e “excesso”.[7] Isto se tratava de voltar a ser “razoável”. Os efeitos deletérios desse vasto movimento de difamação estão longe de terem desaparecido dos dias atuais, apesar do surgimento de trabalhos que colocam as coisas em seu lugar.[8]
Todavia, geralmente, a doxa tomará cuidado para não se envolver nos caminhos da análise histórica. Muitas vezes é em nome da complexidade teórica de sua disciplina que o publicista reacionário, surdo a todas as novas propostas, pode, depois de uma leitura estritamente exegética, ter um prazer malicioso em descartar certos desvios da pluma do autor, para argumentar que este último não entendeu nada, que leu mal as obras em que se baseava e que, em última análise, se enganou, pois, na verdade, tudo já estava escrito na obra do mestre.[9] Aos olhos destes exegetas, antigos mestres na arte de separar o joio (dos pais fundadores) do trigo (de sua posteridade crítica), O anti-Édipo tornou-se um livro “onde podemos ver nitidamente que os autores não entenderam nada de Lacan e da psicanálise”, ou mesmo que “voltaram” a uma concepção pré-freudiana do inconsciente.[10] Clinicamente anterior ao advento da psicanálise e, em última instância, politicamente obsoleto, ele combinaria uma regressão do ponto de vista metapsicológico e uma desorientação política. No melhor dos casos, este seria realmente um “livro de filosofia”. É assim que cai a guilhotina da suprema desqualificação. É de fato uma coincidência que o nome do filósofo Gilles Deleuze, oculte constantemente o de Félix Guattari, o qual era psicanalista e clínico. Desse modo, a ênfase é sorrateiramente no prestígio filosófico do primeiro para melhor ocultar a legitimidade clínica do segundo. E assim, O anti-Édipo se torna uma obra de filosofia sem muita relação com problemas clínicos. No entanto, Félix Guattari é aquele a quem devemos a matéria-prima de O anti-Édipo, como Stéphane Nadeau mostrou ao desenterrar os arquivos do livro.[11]
Um outro processo, o inverso do primeiro, consiste em utilizar o “mal encontro” de Deleuze com Guattari. Desta maneira, desvalorizam o período em que Deleuze colaborou intimamente com Guattari, estabelecendo uma espécie de ruptura epistemológica na obra de Deleuze. Alguns irão até refinar o processo de deslegitimação de O anti-Édipo, expressando o sutil pesar de que, em vez de Guattari, Deleuze não encontrou um “bom analista”. Contudo, mesmo que Deleuze não fosse um clínico, ele conhecia bem a psicanálise. Seu estudo sobre Sacher-Masoch se tornou um clássico[12], e várias de suas obras ganharam elogios de Lacan.[13] Sem falar que sua obra está repleta de referências à psicanálise, com a qual ele dialoga constantemente. Então, por que deveríamos ler apenas algumas de suas obras, ou as únicas passagens mencionadas por Lacan, sem perguntar se a crítica que ele dirige à psicanálise não merece, a priori, a consideração de que seus reconhecidos textos sobre filosofia deveriam ter? É assim que uma certa doxa lacaniana sentia prazer em citar Le Schizo et les Langues de Louis Wolfson, visto que em seu prefácio Deleuze se baseou sobre a noção lacaniana de foraclusão, ou se resignava a mencionar as suas “máquinas psicanalíticas” com o propósito de mostrar como a ideia de maquinismo já se encontrava em Lacan. Porém, existe algo mais grave. Com a “virada” que O anti-Édipo constituiria, não falaríamos mais do esquizo, mas sim de “seu esquizo”[14], do esquizo de Deleuze, fazendo um duplo impasse, tanto sobre a complexidade das relações da filosofia deleuziana com a psicanálise (ao contrário do que muitas vezes se sugere, não podemos de forma alguma dizer que haveria um Deleuze lacaniano e depois um Deleuze anti-lacaniano), e sobre a contribuição de Guattari e seu trabalho em La Borde. Aqui, a questão clínica fica de lado: se é correto que Deleuze utiliza a noção de foraclusão no prefácio de Wolfson, não é para constatar uma “falha”; pelo contrário, é a melhora do estado do dito “psicótico” que lhe interessa! Estranha diplopia da doxa lacaniana, que vê no prefácio de Deleuze apenas o que convém, ainda que a análise do livro de Wolfson por Deleuze, pela contribuição que dá a uma renovação da abordagem da psicose, prefigure as teses de O anti-Édipo.[15]
Este é o quadro geral que pode ser traçado daquilo que deve ser chamado de uma não-recepção de O anti-Édipo: porque ao olhar mais de perto para este quadro, se revela uma posição beirando a uma tensa resistência, até mesmo a uma espécie de denegação epistemológica. Os psicanalistas que na época ousaram se engajar na esteira deleuzo-guattariana foram pouco a pouco marginalizados, até que nos anos de 1980 foram atingidos pelo verdadeiro ostracismo.[16] Os Anos de inverno estavam por se instalar demoradamente.[17]
Se a paisagem intelectual parece estar mudando lentamente, todavia, deve-se notar que as recentes pesquisas em psicopatologia e psicanálise acerca destes temas permanecem raras e muitas vezes mostram a excessiva prudência francesa.[18] Em última análise, esta obra é frequentemente reduzida no campo psicanalítico a um motivo antipsicanalítico. Hoje, os estudantes de psicologia se surpreendem com o fato de O anti-Édipo não aparecer na bibliografia de O Livro Negro da Psicanálise!
Porquanto, se é verdade que este livro contém uma crítica, não é tanto em relação à psicanálise, mas em relação ao seu uso indevido. Uma leitura rápida e simplista tenderia levar a crer que a crítica de Deleuze e Guattari consiste essencialmente em dizer que a psicanálise se perde nas ficções do mito de Édipo, enquanto para eles se trata de mostrar pacientemente como uma certa prática clínica e teoria analítica constituída como um dogma conduzem sistematicamente a este impasse. É em nome da complexidade do campo teórico-clínico da psicanálise que se faz a crítica antiedipiana.[19] Seguindo Didier Anzieu, eles lembram que o próprio pai da psicanálise “não atribui nenhuma especificidade ao mito”. Quanto mais Freud se volta para os problemas da segunda tópica e da relação entre desejo e instituições, mais ele se desinteressa por uma exploração sistemática dos mitos.[20] Como podemos verificar, o problema que nossos autores levantam consiste precisamente em recordar certos aspectos da teoria analítica que os próprios analistas tendem a ocultar.
Repressão do legado político da psicanálise
De qualquer forma, não faltam argumentos hábeis quando se trata de evitar a leitura atenta de um trabalho exigente e de uma discussão clínico-teórica fundamental. Essa atitude consensual atesta uma ideologia que vai muito além das estruturas institucionais onde é mais visível, pois, embora se expresse aqui com a maior força e visibilidade, realmente permeia, como um ritornelo incessante, seções inteiras do campo da instituição analítica. Não era isso que Deleuze e Guattari já estavam constatando nos anos 1970?
E não se pense que aludimos a aspectos folclóricos da psicanálise. Não é por haver da parte de Lacan uma outra concepção da psicanálise que se deve minimizar o tom reinante nas associações mais reconhecidas: vejam o Dr. Mendel, os Drs. Stéphane, o estado de raiva em que se encontram, sua invocação literalmente policial, assim que surge a ideia de que alguém pretende subtrair-se à ratoeira de Édipo. [21]
Notaremos aqui que Deleuze e Guattari falam de um “lado de Lacan” do qual não partiríamos desta forma, onde “[aceitamos] uma outra concepção da psicanálise”. Nesse sentido é importante não ir muito depressa para evitar preconceitos e caricaturas: o que é este “lado de Lacan”? É o próprio Lacan ou são os lacanianos que têm uma ideia diferente da psicanálise? Por fim, como podemos entender que eles persistem em poupar parcialmente o “mestre” quando, além disso, criticam sua teoria da forclusão por mostrar que ela apenas repete melhor a lição edipiana?
As coisas são bem mais complexas do que afirma a vulgata oficial. A resistência feroz a que uma leitura séria de O anti-Édipo estava sujeita (resistência que até então impedia qualquer leitura) logo seria abalada. Os trabalhos recentes do historiador versado na “História da atualidade” iriam permitir restabelecer a objetividade dos fatos[22]: isso porque, até então, a história da psicanálise era muitas vezes construída e veiculada por seus atores principais, que prontamente “esqueceram” a grande importância de Guattari no movimento psicanalítico francês. Analisado por Lacan, de quem foi um dos primeiros companheiros da Escola Freudiana de Paris, Guattari não foi apenas psicanalista[23], mas codirigiu a clínica La Borde com Jean Oury. Muito ativo no meio psiquiátrico (embora não fosse psiquiatra), ele promoveu uma psiquiatria laica na qual o papel do psiquiatra é relativizado e as tarefas clínicas compartilhadas. Membro do Grupo de Trabalho de Psicoterapia e Socioterapia Institucional (o GTPSI reúne, entre outros, Georges Daumezon, Jean Ayme, Hélène Chaigneau, François Tosquelles, Jean Oury, etc.)[24], participou da fundação da Sociedade de Psicoterapia Institucional em 1965, a qual manteve estreita relação com a Escola Freudiana de Paris dirigida por Lacan. Em seguida, fundou o Centro de Estudos de Pesquisa e Formação Institucional (CERFI) em 1966, que culminará na fundação da Revista Recherches, cuja atividade se estenderá até o início dos anos 1980. A revista (cuja maioria dos membros trabalha em La Borde[25]) não apenas produzirá uma contribuição sem precedentes para a psicoterapia institucional, à psicanálise, à psiquiatria e às questões relacionadas ao tratamento da psicose ou do autismo[26], como também abrirá suas páginas a diversas pesquisas em filosofia e ciências humanas. Inclui, entre outros, as contribuições de François Châtelet, Jean-Paul Sartre, Michel Foucault, Guy Hocquenghem, Jean Genet, Michel Anselme, Georges Lapassade, Jean Starobinski, René Schérer, Daniel Guérin, etc.
Uma vez restaurados esses poucos fatos elementares, a paisagem intelectual e o campo da prática clínica encontram uma complexidade não reconhecida pela História oficial. Se Guattari inventou seu próprio caminho teórico com Deleuze, foi sobre o pano de fundo de seu engajamento no debate teórico e clínico aberto pela psiquiatria francesa do pós-guerra, alimentado em grande parte pelo marxismo, pela psicanálise lacaniana em seu processo, bem como as contribuições da filosofia contemporânea, notadamente a de Foucault.
Muitas vezes esquecemos que a crítica marxista da alienação era muito radical e se encontrava presente desde os anos do pós-guerra entre os psiquiatras que se engajaram em uma crítica política da psiquiatria. Esses psiquiatras, alguns dos quais eram psicanalistas, até marxistas, estiveram envolvidos na resistência. No pós-guerra, tratava-se de continuar suas lutas com o objetivo de destruir, nem mais, nem menos, as “estruturas alienantes do hospital psiquiátrico”. O grupo de Sèvres, formado por iniciativa de Daumézon, carrega esta marca. A carta fundadora de 1957 não deixa dúvidas quanto à orientação a que aspira: “Não há revolução sem doutrina revolucionária, não há revolução sem partido, ambos resultam de uma análise lúcida da situação em que vivemos”.[27] O eco desse compromisso pode ser encontrado até mesmo na publicação muito séria do jornal L’Information psychiatrique. Seu editor-chefe, ninguém menos que Henri Ey, publicou em 1949 o artigo de Bonnafé, “Um ensaio sobre a interpretação do fato psiquiátrico segundo o método histórico de K. Marx e F. Engels”, e também o de Swen Follin, “O Método em Psiquiatria à luz do materialismo histórico”.[28] É neste fecundo contexto, onde a questão do “acolhimento à loucura” é retomada com novos custos, que se criará primeiro o Setor (ao qual se dedica um número da Recherches), que primeiramente desligará a psiquiatria da neurologia em 1968[29], e depois realizará um certo número de experimentos até o final da década de 1970. A partir daí, novas abordagens clínicas se tornaram possíveis: da psicoterapia institucional com Oury e Guattari (na esteira de Tosquelles e de Lacan) na clínica em La Borde[30] à antipsiquiatria com Maud Mannoni, Franco Basaglia, David Cooper, Ronald Laing à rede internacional “alternativa à psiquiatria” com Mony Elkaim, Jacques Pluymaekers, Marie Langer, Félix Guattari, Robert Castel, Franco Basaglia, Roger Gentis, etc., diga-se de passagem, se dedicaram a recapturar este movimento em todos os seus componentes, através do desalienismo de Bonnafé[31] e por meio de Foucault, do qual muitas vezes esquecemos que foi antes de tudo o colaborador e até mesmo o protegido de Henry Ey, antes que o relacionamento entre eles se transformasse em polêmica no início dos anos 1970. Essa também foi a época em que Basaglia costumava visitar frequentemente a clínica La Borde. Maud Mannoni, por sua vez, estava organizando o colóquio sobre a infância alienada, o qual Winnicott originalmente deveria comparecer e onde Lacan, Laing, Cooper, Oury, Michaud e Lefort se encontram, entre outros. Depois, ela fundou a Escola Experimental de Bonneuil com Robert Lefort e sua esposa Rosine, Yves Guérin e Pierre Fédida. As revistas psicanalíticas estão a todo vapor: Études freudiennes e Topique dedicam vários números à crítica aos hospitais psiquiátricos.[32]
Até mesmo a crítica de Cornelius Castoriadis ao estruturalismo lacaniano e à noção de “desejo” se origina de um materialismo preocupado em reintroduzir a História e, com ela, opor um “imaginário radical” o primado do simbolismo e da repetição.[33] No entanto, observemos de passagem que, se sua reabilitação do imaginário atinge o alvo ao reatualizar a dimensão “poética” da História e a perspectiva revolucionária, Castoriadis parece ignorar que os últimos desenvolvimentos da psicanálise em torno do real resultaram amplamente em resultados comparáveis.
Ao longo desse período marcado por grande emulação, Guattari é atravessado por todas essas questões. Implicado no campo da clínica das psicoses (será até o fim de sua vida), ele faz parte da corrente de atores mais preocupados em pensar a relação da psicanálise com a loucura e o hospital. Além da relação com Lacan que divide os membros dessa corrente, surge uma discordância, que já mencionamos, quanto à própria natureza da psicanálise e a sua relação com a instituição. No final da década de 1960, Paumelle, Diatkine, Racamier (a escola do 13º distrito) defendiam a ideia de que a direção do tratamento analítico deveria ser confiada apenas aos especialistas (médicos e psicólogos), excluindo, portanto, enfermeiros e, no que se refere ao psicólogo, sempre em colaboração com um psiquiatra, denominado então “bifocal”.[34] Em vez disso, Tosquelles, Oury e Guattari argumentam que a psicose revela uma “transferência dissociada” e que não apenas as enfermeiras não precisam ser excluídas da clínica (fenômenos transferenciais importantes podem muito bem ocorrer com uma enfermeira durante uma oficina e, por outro lado, em nenhum momento no consultório de um psiquiatra), mas que o lugar da transferência deve ser estendido a toda a instituição. Enquanto, no primeiro caso, a psicanálise é “aplicada” à instituição (onde se trata de acomodar o tratamento padrão), no segundo, o tratamento psicanalítico padrão é questionado à luz da experiência psicótica e institucional. Criticando a “psicanálise adaptada” de Paumelle, Oury chega ao ponto de dizer que “a psicanálise, em última análise, só poderia ser um setor da psicoterapia institucional”[35]. A morte de Lacan em 1981 e as brigas de seus discípulos sobre seu legado espiritual trarão sua cota de gelo para os “anos de inverno” que estão por vir.
Vemos, portanto, que ao marginalizar Guattari, ao ignorar sua contribuição e sua inserção no campo da prática clínica, sua participação ativa nos debates da Escola Freudiana de Paris[36], é toda uma parte da história política da psicanálise que é esquecida. E não é a primeira vez! Porque, basicamente, Guattari se junta nessa perspectiva a Reich (e, em menor medida, a psicoterapia institucional ou a antipsiquiatria) na mesma carroça, aqui empurrada pela “neopsicanálise” dos anos 1980 impaciente para liquidar o legado político da psicanálise. A operação do psicanalismo sobre a obra de Guattari ou Reich foi revelando sua verdadeira natureza. Não se tratava somente de minar as obras descredibilizando-as epistemologicamente. A denegação epistêmica foi apoiada por outra denegação muito mais grave. Essa operação não dizia respeito nem mais nem menos do que à própria história da psicanálise, da qual os nomes de Guattari ou Reich são apenas alguns dos tênues fios. Esses nomes e o destino que lhes é reservado no campo contemporâneo acabam por indicar, no mínimo, uma repressão do legado político da psicanálise. Essa descoberta, de fato, não é nova. Russel Jacoby já mostrava o destino da psicanálise norte-americana atingida por uma real repressão quanto à sua história. A partir do final dos anos 1980 ele pode declarar que “a psicanálise contemporânea (americana) não consegue nem engolir os nomes apropriados: freudianos de esquerda, psicanalistas marxistas, psicanalistas políticos”[37] que, no entanto, caracterizam os principais atores de sua história. Ora, somos obrigados a dizer que isso é verdadeiro para a maioria dos psicanalistas franceses atualmente em exercício… e pior, o “esquecimento” que os atinge relaciona-se não apenas com a sequência do período entre guerras, mas também com a sequência do pós-guerra e a filiação que os une.[38] Talvez aqui não seja apenas uma questão de simples repressão. Que a tese do chamado “indiferentismo” de Freud[39] amplamente difundida nos círculos acadêmicos seja sustentada por observações que Jones atribui a ele, segundo as quais sua “única cor política” era a da “carne”[40], talvez não seja indiferente. Não apenas porque a posição e as práticas promovidas por Freud não podem ser reduzidas a ela, mas também porque, como Jones, e no modelo de sua historiografia e seus “arranjos para salvar a psicanálise”, o psicanalismo contemporâneo se submete a silenciar o projeto de realização de uma política de “justiça social” levada a cabo pelos analistas durante as fecundas sequências da história da Psicanálise. Para além da simples negação epistemológica sistematizada em algumas obras surge uma estratégia revisionista que consiste em apagar a história da disciplina.
Aliviados de qualquer dívida com o passado comprometido da psicanálise[41], os “novos analistas” poderiam jogar suas capelas uns contra os outros à vontade. Hoje podemos ver as consequências desastrosas dessa repressão da História: em todos os lugares a psicanálise está em declínio. E, à medida que o mal-estar social e político cresce (que nunca passa sem uma ruptura no campo psicanalítico), alguns, ao invés de se recomporem diante da gravidade da situação, a agravam ainda mais em uma espécie de fuga precipitada. Com efeito, temos o direito de sentir uma certa vertigem face à “adaptação” de certas escolas às “exigências” dos tempos modernos: elas não cessam de se fazer constantemente reconhecidas pelo Estado e validar “formações” mais próximas do clientelismo do que dos ideais freudianos fundadores.[42] A história já mostrou em que conduz inevitavelmente o realismo cínico no qual se apoia esta atitude que pretende “salvar a psicanálise”.
É assim que a psicanálise, a qual perdeu sua memória, tem se mostrado singularmente impotente nos últimos tempos para compreender o mal-estar contemporâneo indissociável do mundo neoliberal e encontrar uma resposta aos seus múltiplos golpes. A questão sócio-histórica abandonada por esses psicanalistas, que se destacaram mais por suas contribuições para alimentar uma leitura reacionária da História que os próprios historiadores haviam abandonado e posto em causa há muito tempo[43], voltou para nós “de fora” em uma enxurrada de escritos de filósofos que se reapropriaram de Lacan.[44]
Da crítica de Édipo ao anti-Édipo
Após elucidar parcialmente as questões históricas e políticas, são lançadas novas leituras. Vamos verificá-la no papel trazendo à luz a filiação lacaniana da crítica ao Édipo, tão verdade é que a redução da obra de Guattari a um viés antipsicanalítico não supôs apenas que poderíamos reduzir a psicanálise a sua versão antiedipiana (mesmo que seja estrutural), mas também que “esquecemos” que a crítica de Édipo, também, já havia sido amplamente esboçada pelo próprio Lacan antes de O anti-Édipo.
Foi Lacan o primeiro a alertar os analistas no início dos anos 1960: “O Édipo, porém, não pode acompanhar indefinidamente as formas de sociedade em que o sentido da tragédia se perde cada vez mais. […] não basta um mito para não suportar nenhum rito, e a psicanálise não é o rito do Édipo”.[45]
Isso porque, “mascarada sob o mito do Édipo”, a investigação analítica deveria almejar alcançar “o que há de verdadeiro por trás desse engodo”[46]: primeiro reconhecida sob o termo de “a coisa” – a “coisa” freudiana, o Das Ding do Esboço, o corpo materno escapando de qualquer julgamento possível por parte do infans desprovido de linguagem[47] – essa “verdade” tomará posteriormente o nome de “objeto a”. Recordemos que, no seminário A angústia, Lacan indicou não somente que o Édipo era contrário à “experiência”, mas que se tratava de dar um “passo a mais”, de sair dos domínios da “comédia edipiana”.[48] Na mesma década, ele também falava da ideologia edipiana:
O apego específico da análise às coordenadas da família é um fato a ser aquilatado em diversos planos. É extremamente notável no contexto social. Parece ligado a uma forma de interrogação da sexualidade que corre o grande risco de deixar escapar uma conversão da função sexual que se opera diante de nossos olhos.[49]
As ocorrências da crítica lacaniana ao Édipo são numerosas e será justamente desse distanciamento cada vez mais crítico do Édipo que surgirá a ideia do inconsciente real. Desde o início da década de 1970, Lacan declarou que o Édipo “não serve aos psicanalistas”: para ele trata-se de se distanciar da visão político-antropológica obsoleta de Freud em Totem e Tabu, qualificado de “distorcida”[50] – Deleuze e Guattari também citam este seminário.[51]
Parece evidente que foi em Lacan que Deleuze e Guattari encontraram uma das razões mais poderosas de sua crítica ao Édipo (cuja aposta é principalmente a clínica das psicoses), e que, longe de atacar o próprio Lacan, é no estruturalismo do significante reconstruído e defendido pelos discípulos de Lacan que eles reservam seus ataques mais agudos. Além disso, em De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose[52] Lacan não se preocupou em dizer que não se referia ao Édipo, mas da “metáfora paterna”? Com esse primeiro gesto de radicalização estruturalista da leitura freudiana, ele colocou em descrédito uma abordagem ingênua da psicose centrada na relação do ego com a realidade, libertando assim a psicanálise de sua matriz normativa: o pai não sendo mais o pai do patriarcado, o pai da realidade sempre mais ou menos incoerente, mas uma “metáfora” pela qual o simbólico se sustenta, será uma questão de “dispensá-lo”, de prescindir de sua ordem ou da sua lei, porém, Lacan acrescenta não sem ironia, sob a condição de “saber como usar”. Porém, não há provas de que a mensagem foi transmitida aos seus discípulos. Brandindo as elaborações estruturais de seu mestre, eles as esvaziam de sua carga subversiva para melhor reinstaurar Édipo e excluir o esquizo: “Não é por acaso que a ordem simbólica de Lacan foi desviada, utilizada para apoiar um Édipo de estrutura aplicável à psicose, e para estender as coordenadas familistas para fora do seu domínio real e mesmo imaginário”.[53]
Enquanto Lacan busca salvar a psicanálise da trindade edipiana, alguns dos seus discípulos aproveitam-se de suas elaborações refinadas para melhor restaurá-la. Diversos lacanianos são nitidamente visados aqui por Deleuze e Guattari. Este último sabe do que está falando: trabalha em La Borde com esquizofrênicos desde os anos 1950 e conhece muito bem os meios psicanalíticos parisienses. Respondendo à questão de saber a partir de quais experiências concretas passou para elaborar sua pesquisa, ele indicava: Em primeiro lugar, a prática psiquiátrica, a psicanálise e, mais particularmente, o estudo da psicose. Em seguida, Guattari acrescenta mais:
[…] no âmbito dos sistemas repressivos de hospitalização, não se tem acesso à esquizofrenia. Temos acesso aos loucos que se encontram dentro de um sistema que os impede de expressar a própria essência da loucura. Exprimem apenas uma reação à repressão de que são alvos, que são obrigados a sofrer. O resultado é que a psicanálise é praticamente impossível no caso das psicoses.[54]
Foi nessa época que Serge Leclaire escreveu a sua tese[55], na qual formalizava uma clínica de foraclusão, se baseando amplamente na “Questão preliminar a qualquer tratamento da psicose”. Tendo se tornado a bíblia da prática analítica no hospital, autoriza-se nesta tese para “perseguir a foraclusão”[56], o que dá lugar a práticas como a “apresentação de doentes”, das quais eu delineei um quadro suficiente acima, mas também as mudanças institucionais pendentes, das quais o mínimo que podemos dizer é que estão muito distantes daqueles que encontrei na clínica de La Borde. Ora, é contra uma interpretação idealista e errônea do “dito” de Lacan sobre psicose e foraclusão que Deleuze e Guattari se levantam: “mesmo uma tentativa tão profunda como a de Lacan para sacudir o jugo de Édipo foi interpretada como uma forma inesperada de o tornar ainda mais pesado, e de o fechar no bebê e no esquizo”.[57]
O que emerge aqui é, de fato, toda a questão problemática da relação de uma hipótese com a clínica e a técnica que ela abre, até mesmo a micropolítica que ela implica. No entanto, Lacan teve muito cuidado em especificar sua posição. Como a aposta certamente não era “dizer o que podemos fazer neste terreno”[58], ele alertou sobre o uso que poderia ser feito de suas proposições teóricas sobre a foraclusão: “Não está demonstrado. Não é tampouco uma hipótese. É uma articulação do problema. A primeira etapa não é uma etapa que vocês têm de situar em alguma parte na gênese”. [59]
Nem demonstração nem hipótese, o que está em jogo é a articulação de um problema. Todavia, Lacan não pode ser mais explícito. Portanto, além disso, é totalmente irrelevante e inútil tentar verificar empiricamente aquilo de que ele fala:
A noção de Verwerfung indica-lhes que deve haver já previamente alguma coisa que falta na relação com o significante na primeira introdução aos significantes fundamentais. É, bem evidentemente, uma ausência irreparável para toda pesquisa experimental. Não há nenhum meio de apreender, no momento em que isso falta, alguma coisa que falta.[60]
Para Lacan, uma “superação de Freud” não estando na pauta pelo que é a foraclusão, portanto, “para pegar com pinça”, como um simples instrumento colocado à disposição daqueles em quem ele depositou suas esperanças de ver o avanço da terapia psicanalítica da psicose, ou seja, todos aqueles que, como Oury e Guattari em La Borde, ou Claude Jeangirard em La Chesnaie, praticavam outra clínica de psicose baseada em “A outra concepção da psicanálise de Lacan”. Sem exclusividade, porque todos sabiam que existiam “outros modos de fazer”, o que despertou o interesse de todos. Entre os grandes nomes da psicanálise que lidam com a psicose, uma não lacaniana como Gisela Pankow se autoriza a criticar abertamente Lacan.[61] Em um livro recente, Françoise Davoine também indica:
Em nossa escala modesta […] na década de 1970 na França, éramos também espectadores do ceticismo geral em torno da psicose. Com algumas exceções, essa questão se limitou a comentários teóricos, apresentações de pacientes ou mesmo casos que serviam mais para apoiar a teoria do que a transferência.[62]
O mau uso das concepções lacanianas e o contrassenso clínico em que se enganam certos “doutores lacanianos” são, no entanto, identificados. Ginette Michaux testemunha nesta direção:
[…] lembro-me de uma frase de Lacan, dita em circunstâncias muito específicas, com a fúria que às vezes era sua. Alguém lhe perguntou se a foraclusão era ou não reversível no tratamento dos psicóticos: “O que diabos estamos fazendo, então, ouvindo-os!” O que quer que alguém tenha dito, escrito ou publicado sobre isso, Lacan disse e eu ouvi, e outros comigo…[63]
Por fim, outras interpretações, outras leituras dos conceitos são propostas. Este é o caso de Oury:
É verdade que fiquei rapidamente exasperado com esta recitação da foraclusão do Nome do Pai. […] O que Lacan entende por foraclusão é um não-registro, um Un-bejahung. Mas a inscrição supõe como pré-requisito a função foraclusiva, que é a implementação da rejeição que permitirá a inscrição… A foraclusão de que fala Lacan situa-se em um nível lógico secundário. Isso pode ser chamado de falha da função foraclusiva.[64]
É toda a questão do destino de Verwerfung entre os lacanianos na França e as práticas que a acompanham que se encontram aqui em questão. Nos anos de 1980, Georges Lantéri-Laura havia mostrado como a teoria do simbólico estruturalista no campo psiquiátrico poderia retornar, em suma, a uma caracterologia normativa digna da psiquiatria do século XIX…[65]
DO REAL AO INCONSCIENTE MAQUÍNICO
À luz desses questionamentos em torno do mito de Édipo e da prudência expressa por Lacan a respeito de sua própria hipótese de foraclusão, O anti-Édipo não aparece mais como um anti-lacanismo. Mas a obra ergue-se, não sem força e ruído, contra uma interpretação unilateral de Lacan, Freud e suas consequências clínicas. Por isso, neste momento em permanente elaboração, com a qual Deleuze e Guattari entram em diálogo, interrogam constantemente o sentido da obra lacaniana. O problema que colocam é o seguinte: devemos entender a foraclusão como uma falha do Simbólico (como fazem os lacanianos estruturalistas), ou questionar a distinção estrutural entre o Imaginário e o Simbólico, que justifica apenas que a foraclusão surja como uma “falha”? Basta dar mais um passo para perceber que, efetivamente, a operação que Lacan almejava era bem diferente daquela que esses discípulos lhe atribuíam: ela se relaciona com o Real e abre novas possibilidades clínicas para o tratamento da psicose.
Assim, a partir de 1972, enquanto a moda intelectual está no estruturalismo triunfante, Deleuze e Guattari, atentos às linhas de fuga já presentes na obra lacaniana, procuram precipitar a dúvida quanto à primazia desse modelo que faz depender o sujeito de inconsciente do significante promovido pelos discípulos. Longe de ter ouvido as advertências do mestre, esses últimos fazem de Édipo “uma espécie de símbolo católico universal além de todas as modalidades imaginárias” que deve operar na clínica:
Ela faz de Édipo um eixo de referência tanto para as fases pré-edipianas como para as variedades paraedipianas e para os fenômenos exoedipianos: a noção de “foraclusão”, por exemplo, parece indicar uma lacuna propriamente estrutural, graças à qual o esquizofrênico é naturalmente recolocado no eixo edipiano, remetido à órbita edipiana, na perspectiva das três gerações, segundo a qual a mãe não pôde firmar seu desejo em relação ao próprio pai, nem o filho, então, em relação à mãe.[66]
Nota-se aqui o uso do verbo “aparecer” em conexão com a noção de foraclusão, que equivale, de certo modo, a um condicional. Se a noção de foraclusão no modelo simbólico “parece indicar uma lacuna”, é porque poderia ser de outra forma, ou, pelo menos, que não é certo que a foraclusão seja necessariamente uma “lacuna”. Não são os lacanianos que se enganam quando a operação de Lacan é bem diferente? Deleuze e Guattari têm a ideia que o sentido profundo da teoria estrutural desenvolvida por Lacan não era fechar o inconsciente. E, de fato, através da operação de estruturação, tratava-se antes de tudo para Lacan mostrar que Édipo não tinha um privilégio fundamental, mas designava uma situação simbólica entre outras. Desde o seu primeiro seminário, ele declarou que era apenas uma “chave muito pequena” em um “molho de chaves” proposto por diferentes culturas. “Fantoche da rivalidade sexual” no Ocidente, o Édipo como mito até parecia pálido em comparação com os mitos de outras regiões do mundo (Lacan evocava o Sudão)[67]. Daí em diante, o Sujeito era, portanto, menos o Sujeito de Édipo do que o dos sistemas míticos. E era a universalidade da função simbólica revelada por um Édipo contingente e não um Édipo que revelava o sujeito do inconsciente. Assim, este momento de reaproximação com Lévi-Strauss viu sobretudo uma secundarização do Édipo e não a sua promulgação universal. Ora, temos que concordar com Deleuze e Guattari que “mesmo essa profunda tentativa de Lacan para sacudir o jugo de Édipo” foi contraproducente! Embora Lacan tenha usado sobretudo o simbólico como função para se opor ao universalismo edipiano de Freud, sua tentativa foi interpretada de modo a poder melhor reconduzi-lo. O Édipo desvalorizado como imaginário foi ainda mais promovido como verdade simbólica universal. Essa foi uma “maneira inesperada” de “se fechar sobre o bebê e no esquizo”. Talvez seja, em parte, devido a estes mal-entendidos por parte de seus discípulos, que aproveitaram sua audácia teórica para reificar melhor o Sujeito na prática, que Lacan continuará a inovar e a propor novos conceitos para ir mais longe. Longe, em direção ao Real? Do mesmo modo Deleuze e Guattari avançam precipitando o questionamento em curso de Lacan: não seria necessário dar a prevalência à categoria do Real para fazer “explodir” o estruturalismo edipiano portador de uma norma onipotente?
Antes de lançar luz sobre a qual concepção de inconsciente essa questão leva, vejamos como eles fazem isso, passo a passo, eles procedem para derivar a metapsicologia estrutural e sua norma dominante. Em primeiro lugar, retomam a crítica clássica do imaginário, típica de um discurso lacaniano estrutural que denuncia “ilusões imaginárias” em proveito da “ordem simbólica”:
Nossa crítica precedente a Édipo corre o risco, portanto, de ser julgada totalmente superficial e mesquinha, como se ela se aplicasse apenas a um Édipo imaginário e incidisse sobre o papel das figuras parentais, sem afetar em nada a estrutura e sua ordem de lugares e funções simbólicas.[68]
Mas isso é, de certa forma, uma “manobra”. Porque se eles assumem essa postura que faz da ordem simbólica a categoria central, é para carregar melhor o ferro quente de suas críticas. Na verdade, a diferença essencial não é entre o Simbólico e o Imaginário: “Porém, o problema para nós é saber se é por aí que passa a diferença”. Se a grande parte dos estruturalistas lacanianos apoiam sua prática da primazia de uma concepção do Simbólico, para os autores de O anti-Édipo, “Lacan traçara uma via totalmente distinta. Ao contrário de um esquilo analítico, ele não se contentava em girar na roda do imaginário e do simbólico, do imaginário edipiano e da estrutura edipianizante”[69]. E se referem a Lacan citando-o:
Portanto, seria preciso ouvir as advertências de Lacan sobre o mito freudiano do Édipo, que “não poderia permanecer indefinidamente em evidência nas formas de sociedade em que se perde cada vez mais o sentido da tragédia…: um mito não se preserva se ele não sustenta algum rito, e a psicanálise não é o rito do Édipo.[70]
Por fim, acrescentam: “E mesmo quando remontamos das imagens à estrutura, das figuras imaginárias às funções simbólicas, do pai à lei, da mãe ao grande Outro, estamos, na verdade, apenas adiando a questão”. [71]
Poderíamos ainda multiplicar as passagens em que Deleuze e Guattari nos dizem que a diferença essencial não é antes de tudo a do Simbólico com o Imaginário. Trata-se de deslocar as categorias lacanianas em benefício do Real. Ora, esse deslocamento existe no próprio Lacan. Se Lacan descobriu que o inconsciente está estruturado como uma linguagem e que deriva de um determinado código, é porque, por outro lado, não é um código, nem uma linguagem:
Deve-se a Lacan a descoberta do rico domínio de um código do inconsciente envolvendo a ou as cadeias significantes. […] Mas este é um estranho domínio em virtude da sua multiplicidade, a tal ponto que não se pode continuar falando de uma cadeia ou mesmo de um código desejante. Diz-se que as cadeias são significantes porque são feitas de signos, mas estes signos não são propriamente significantes. O código se parece menos com uma linguagem do que com um jargão, formação aberta e plurívoca.[72]
Para onde, então, deveria se voltar o olhar do analista? É preciso, de fato, pensar no lugar de formação da própria estrutura. E, mais uma vez, é o próprio Lacan quem o indica e mostra que esse domínio não diz respeito a nenhuma significação, a nenhum significante. Portanto, eles citam Lacan para apoiar seu ponto em uma nota:
[…] uma exclusão proveniente destes signos enquanto tais pode ocorrer apenas como condição de consistência numa cadeia a ser constituída; acrescentemos que a dimensão na qual se controla essa condição é unicamente a tradução da qual é capaz uma tal cadeia. Demoremo-nos ainda um instante neste jogo. Isto para considerar que é a inorganização real pela qual estes elementos são misturados, no ordinal, ao acaso, que na ocasião da sua saída nos faz tirar à sorte…[73]
Em suma, o que deve interessar ao analista acima de tudo deve ser essa “inorganização real” da qual todo significado possível se sustenta. Há a questão das condições de possibilidade de produção do próprio Simbólico. Serge Leclaire tocou precisamente nesta questão da qual disse que “tudo nos leva a não o enfrentar”. Tratava-se de considerar um sistema de “singularidades puras” cujos elementos se ligam precisamente “pela ausência de qualquer ligação natural, lógica ou significativa”.[74] Ora, não foi a teoria do objeto a (que eles qualificam de “admirável”[75]) e do Grande Outro de Lacan que já permitia apontar o Real, isto é, o reverso da estrutura? perguntam-se Deleuze e Guattari.
A partir dos anos 1950, com “a Coisa”, depois com “o objeto a”, o primado do simbólico, se é que nunca existiu em Lacan, estava rachando por todos os lados. Irrepresentável, somente podemos apreender o objeto a na forma de “fragmentos parciais” do corpo: o objeto de sucção (o seio), o objeto de excreção (as fezes), a voz, o olhar. Reconhecemos aqui uma série que dá conta do corpo em suas partes destacáveis (a voz, o olhar, o seio, as fezes): isso porque o objeto a é elaborado a partir da Coisa (Das Ding) que designou as primeiras relações indistintas do bebê com o Outro materno. É da Coisa, nome de um tempo “acoisa” [l’achose] em uma única palavra, que Lacan traz à tona o objeto a.[76] O objeto a é, portanto, o objeto a-bsoluto: além de qualquer objeto, qualquer imagem, qualquer símbolo, é entendido como a função que dá conta da possibilidade de qualquer objeto, qualquer imagem, qualquer símbolo para um Sujeito. Embora inacessível a este último, é, a causa de suas representações. Como vemos, o Sujeito não pode mais encontrar unidade no eu [moi], mas é marcado pelo golpe do objeto que o divide. Colocando o Sujeito em uma posição de “exclusão interna ao seu objeto”, o objeto a ultrapassa toda a lógica simbólica e aponta o fora das imagens e da cadeia significante para o domínio do corpo e do gozo. Foi exatamente o movimento desse avanço denormativo que interessou a Deleuze e Guattari. Iria até levar Lacan em seu texto Ciência e Verdade, no final dos anos 60, a afirmar contra Lévi-Strauss desta vez, e para além de qualquer estruturalismo, a consistência de uma causalidade comum ao psicanalista e ao xamã, causalidade que explica a eficácia do ato analítico e que escapa à causalidade estrutural científica. Aqui se apresenta a dimensão do real. Isso porque é da Coisa, na medida em que nenhum significante pode representá-la, isto é, o encontro do sujeito com a opacidade dos efeitos do corpo e o gozo, que a eficácia na psicanálise pode ser sustentada (a eficácia não seria mais primariamente simbólica). Essa dimensão da realidade indicada pelo objeto a se tornaria progressivamente central no campo do inconsciente investigado por Lacan.[77] Esta é a razão pela qual Deleuze e Guattari puderam dizer: “É todo este avesso da estrutura que Lacan descobre, com o “a” como máquina, e o “A” como sexo não humano”.[78]
Mais ainda do que a estruturação de Édipo, o objeto a permitiu ir mais longe e apreender o inconsciente para além de qualquer norma edipiana, imaginária ou simbólica. E, enfim, questionam-se Deleuze e Guattari: não deveria a Spaltung produzida pelo objeto a, ao invés de “edipianizar o campo psicótico”, visar o aprofundamento da investigação analítica, e “esquizofrenizar o campo analítico”? Consequentemente, a diferença não diz respeito ao Simbólico e ao Imaginário, mas sim ao Real. Desse modo, Deleuze e Guattari perguntam:
A verdadeira diferença não estaria, antes, entre um Édipo, estrutural ou imaginário, e outra coisa que todos os Édipos esmagam e recalcam, isto é: a produção desejante — as máquinas do desejo que não se deixam reduzir nem à estrutura nem às pessoas, e que constituem o Real em si mesmo, para além ou aquém tanto do simbólico como do imaginário?[79]
Por isso propõem, na página seguinte, a sua hipótese de um “inconsciente maquínico” que visa colocar o Real no centro das investigações analíticas, ao mesmo tempo que destrói a primazia do “inconsciente estrutural”: Isto porque o próprio inconsciente não é estrutural e nem pessoal; ele não simboliza, assim como não imagina e nem figura: ele maquina, é maquínico. Nem imaginário nem simbólico, ele é o Real em si mesmo, o “real impossível” e sua produção.[80]
Repetem essa operação, na qual combinam indissociavelmente suas propostas com as de Lacan: “A verdadeira diferença de natureza não está entre o simbólico e o imaginário, mas entre o elemento real do maquínico, que constitui a produção desejante, e o conjunto estrutural do imaginário e do simbólico, que forma somente um mito e suas variantes […]”.[81] Portanto, o Real é o primeiro: ele articula os outros dois. Começamos a compreender a perspectiva que abre a ideia de um “inconsciente maquínico”, não tanto representativo a princípio, mas produtor. Já indicado por Lacan com o objeto a que o apontava com a ideia de “máquina”, trata-se também de dar conta da “coisa” e de pensar a partir desse “fora” que nos faz. Trata-se de pensar o “não humano” do qual se origina a divisão do Sujeito e, por extensão, poder dar conta de algo que se poderia chamar de “o homem” e em que se acreditou ser capaz de fazer “ciência”, inclusive estruturalmente. É, portanto, nisto que consistia a real operação da psicanálise e por isso “remontar das imagens à estrutura seria de pouco alcance, e não nos faria sair da representação se a estrutura não tivesse um avesso, que é como que a produção real do desejo”.[82]
“Produção real do desejo”: como se vê, por este sintagma, trata-se de pensar o desejo não no nível das imagens e representações do Sujeito, não mais do que no quadro de uma função classificatória que organizaria o mito edipiano, mas a partir do seu “avesso”. O avesso da estrutura não aponta a impossibilidade do desejo como afirmam os doutores lacanianos do significante que fracassam no niilismo clínico com o delirante. Da mesma forma, a ousadia de propor, em uma última objeção, que Deleuze e Guattari teriam na realidade confundido o desejo e seu objeto, como alguns disseram, atesta uma má-fé caracterizada a evitar o problema identificado e a crucial questão clínica que havia sido colocada. Com efeito, o avesso da estrutura permite a Deleuze e Guattari apresentarem um novo problema que consiste em renovar as coordenadas do desejo como real. O que não será sem grandes implicações clínicas para abordagem da loucura. Ora, não é esta a razão imperdoável de alguns rejeitarem essa teorização, acusando-a precisamente de delirante, enquanto sub-repticiamente atribuem essa crítica à Lacan[83]? Mas como?! O desejo não indexado à polícia do significante? Para onde vamos, meu bom Senhor?! É assim que, ao acusá-la de delirante, poderíamos ainda mais dispensar o interesse por novas perspectivas sobre o delírio que ela avançava e, dessa forma, evitar ter que questionar sua prática. É que aqui, certamente, Deleuze e Guattari cruzaram um curso, que parece ter constituído um verdadeiro escândalo metapsicológico e antropológico: abordar o desejo não antes de tudo humanamente, demasiado humanamente, porém de um ponto de vista não humano, de um ponto de vista transcendental. Essa é uma das razões pelas quais Deleuze e Guattari se propõem a falar em “desejo maquínico” ou “máquinas desejantes” para indicar a impessoalidade essencial do processo que nos faz. Mas evidentemente trazer o desejo ao real de sua produção não deixa de ter consequências ruinosas para a antropologia que se esconde em toda a psicanálise edipiana, incluindo (e antes de tudo) aquela que é adornada com estruturalismo entre os discípulos. Contudo, não foram consequências semelhantes que Lacan também acabaria por levar?[84]
Para finalizar, e talvez mais imperdoável ainda, esta operação sobre o desejo como real arruína definitivamente a ideia de foraclusão. A partir daí, a fronteira metapsicológica que separava o psicanalista de seu paciente tornou-se muito porosa… e ele não tinha mais nenhum álibi para se esconder da clínica do delírio e seu mal-estar. Com o “rei se revelando nu”, seu império desmoronou, e Deleuze e Guattari poderiam abrir um novo caminho para a clínica: aprender com o delirante sobre a natureza não humana do desejo e seus efeitos. Ao libertar o objeto a do império estrutural, ao se propor a considerar realmente o desejo, Deleuze e Guattari libertaram a teorização lacaniana da leitura de seus discípulos e restituíram a essa inovação de Lacan toda a sua força crítica e clínica original. De fato, a partir de então, o objeto a permitiu uma heurística inédita para a abordagem da loucura e não seu fechamento em Édipo:
Em todo caso, não convinha reapertar os parafusos que Lacan há pouco desapertara; edipianizar o esquizo, quando ele, ao contrário, acabara de esquizofrenizar até a própria neurose […]. O objeto a irrompe no seio do equilíbrio estrutural à maneira de uma máquina infernal, a máquina desejante.[85]
Portanto, podemos vislumbrar, no mínimo, nessa queda de toda a antropologia que inaugura o objeto a despojado da estrutura, a necessidade urgente e imperiosa de uma reavaliação crítica do tratamento pelo psicanalismo do testemunho de Schreber. Não há nessa abordagem aberta por Lacan com o objeto a, e aprofundada por Deleuze e Guattari com “o inconsciente maquínico”, implicações clínicas importantes para o tratamento da psicose? [86]
A partir do seminário dos anos 1950 sobre As psicoses, Lacan já considerava Schreber um dos filhos da Aufklärung, assim como reconhecia suas qualidades de escritor. Entretanto, por que não conceder a ele o status de escritor ou poeta? A maior parte dos estudos lacanianos da época eludiu a questão ou reduziu Schreber ao relacionar seu delírio ao pai. Somente o estudo de Octave Mannoni propusera timidamente sair desse impasse apontado por Lacan, reconhecendo nas palavras do mestre uma divisão de Schreber entre sujeito e autor que valeria para todos (Schreber era um sujeito louco e um escritor).[87] Ele salvou assim a concepção estrutural, embora reconhecendo o talento schreberiano. Porém foi somente no final dos anos 1970 que alguns autores, afastando-se da reificação estruturalista que reduzia Schreber e seu delírio a uma gênese familialista, puderam se permitir aprender com ele. Em 1978, Mannoni voltou a este assunto e se permitiu tentar escrever como um Schreber através do humor.[88] Da mesma forma, no final dos anos 1970, André Green comparou Schreber a Antonin Artaud e o reinscreveu totalmente no campo literário[89] e Prado de Oliveira mostrou como o delírio de Schreber se situava no interior do pietismo e do romanismo alemão. Por fim, somente no início do século [vinte e um] é que esses trabalhos foram retomados, aprofundados e que admitem estudar o conteúdo do delírio e os modos de desorganização do pensamento delirante para lançar luz sobre o pensamento comum.[90] Mas nenhuma discussão é realizada com O anti-Édipo, tanto nos ensaios sobre a “patogênese da criação” (onde Mannoni experimenta a escrita e o humor de Schreber), passando por Green (que estabelece relações de Schreber à Artaud) quanto em Oliveira (que mostra corretamente as relações do delírio com a história). Ora, precisamente, a questão da escrita e do humor na psicose, a relação entre Schreber e Artaud, o lugar da história na formação do delírio, constituem outras tantas hipóteses importantes da investigação aberta pelo O anti-Édipo.
Em defesa de alguns desses estudos, deve-se notar que, na época, todos se curvaram ao silêncio absoluto imposto por Lacan às suas “tropas” quando o livro foi publicado (o fato está bem estabelecido hoje como mostram os historiadores[91]), enquanto para Deleuze e Guattari tratava-se de abrir a discussão. Evidentemente, a imensa influência de Lacan não explica tudo.[92] Todavia, não é esse silêncio que perdura até hoje[93] e que explica o conformismo clínico em que se fecham a maioria das apresentações de casos, que ainda se sustentam em uma antiquada concepção estruturalista da psicose, sem levar em conta – eis o paradoxo – os avanços teóricos, inclusive em seu próprio campo?
Vamos mais longe, se Deleuze e Guattari se inspiram e se apoiam amplamente nas concepções lacanianas, podemos acrescentar a hipótese segundo a qual o próprio Lacan, em suas últimas explorações, foi, por sua vez, inspirado pelas proposições teóricas de Deleuze e Guattari. É permissível questionar em que medida a concepção esquizoanalítica influenciou suas últimas perspectivas, notadamente, em virtude do ponto de inflexão que sua teoria dá quando ele está interessado em Joyce, isto é, logo após O anti-Édipo. O silêncio que impôs na época em relação às propostas de Deleuze e Guattari pode encontrar aqui um de seus motivos: Lacan não estava tentando evitar “ser ultrapassado” em sua investigação? Não estava preservando seu monopólio da vanguarda relativa à teorização do inconsciente real que havia iniciado? Em todo caso, podemos constatar que, recorrendo ao “sinthoma” e a “lalíngua”, a abordagem da loucura deixará de ser pensada estruturalmente sob o modo “diagnóstico” de um “fracasso” e que logo Lacan procedera à “pluralização dos nomes do pai”, enfatizando a dimensão do real após O anti-Édipo. Assim, sobrepõem-se em uma mesma perspectiva, as linhas de concepções teórico-clínicas que uma leitura simplista pretendia opor, enfraquecendo sua vitalidade crítica.
Desse ponto de vista, é engraçado notar que alguns dos discípulos mais zelosos da “última geração” apenas recentemente descobriram a importância do real do inconsciente e sua importância para seu mestre! É assim que décadas depois desta revolução dos anos setenta, eles começaram recentemente a explorar o “último Lacan”[94], e não hesitam em falar da “reinvenção lacaniana do inconsciente”.[95] Mas, em uma espécie de mitologia de pura filiação ao mestre, continuam a reconduzir uma leitura dogmática de Lacan e a ideia de uma “impermeabilidade” da sua obra. Na verdade, não mais do que ontem, nenhuma discussão problemática, nenhum trabalho substantivo com O anti-Édipo parece ser previsto por enquanto… o que obviamente não é sem “ganho” para eles. Enquanto eles finalmente se emanciparam do estruturalismo do significante, a pureza doutrinária de sua leitura de “última geração” permite que se apresentem como os verdadeiros “descobridores” das questões relativas ao “inconsciente real” em Lacan, ainda que muitas vezes tenham contribuído para prevenir seu surgimento durante décadas em suas escolas, promovendo e refinando, ad nauseam, o rigor da abordagem estrutural dos anos 1970, notadamente por meio das apresentações de caso, mas também escondendo seus últimos seminários.[96] Contudo, não será esse o efeito do conformismo de que falávamos antes, que, décadas depois, continua congelando o campo da pesquisa em psicanálise, até atrasar – ah, eis um novo paradoxo – a leitura do “último Lacan” inclusive por seus discípulos da “nova geração”?[97]
Neste momento, podemos tirar, pelo menos provisoriamente, algumas das consequências clínico-teóricas da hipótese de uma primazia do real no inconsciente. Qual espaço analítico inédito está aberto à prática e ao tratamento das psicoses por essa nova hipótese? Quais são as consequências críticas e clínicas que nos convocam e que devemos assumir face a este ousado avanço metapsicológico?
Ao reivindicar os direitos do real lacaniano do inconsciente dentro do modelo simbólico estrutural, trata-se de descolar a explicação edipiana do modelo inconsciente. Não é o simbólico e o imaginário em primeiro lugar que interessam ao analista, em que o Édipo é um mito completamente secundário para dar conta do inconsciente (como a teoria do falo): estas são produções simbólicas que não podem ter nenhum privilégio. Por isso podemos constatar que não se trata de negar a existência do Édipo como invariante cultural, mas de sua “generalização” ao modelo de inconsciente. Portanto, a concepção estrutural da psicose deve ser relativizada ou renovada. É assim que o campo problemático constitutivo do inconsciente é deslocado e a investigação clínica modificada. O problema semiológico para o clínico não é mais diagnosticar a impossibilidade da metáfora paterna. Não se trata, em primeiro lugar, de apontar a falência da formação do simbólico, o que confirmaria a generalização abusiva do mecanismo de repressão ao inconsciente, porque então correr-se-ia o risco de ser condenado a reificar a psicose e a pensar no modo essencialista de um fracasso [de uma falha]. Assim, se há uma questão preliminar a qualquer possível tratamento da psicose, é antes de tudo invertendo os termos clássicos de análise: trata-se de questionar o funcionamento do analista que, disfarçado de Édipo, recusa-se a enfrentar o real do qual o delírio apresenta e que, de repente, recusa a investigação e o tratamento analítico das psicoses.
Nesse sentido, podemos dizer que o fracasso do simbólico é o fracasso do psicanalista, ou mesmo que a verdadeira questão preliminar ao tratamento das psicoses é a questão esquizoanalítica. Ao limitar-se ao modelo estrutural que favorece a explicação da psicose a partir de uma falha essencial, então se condena, no plano clínico, a nunca se engajar na transferência com o paciente e na produção em que ele consiste. Freud levava a sério a palavra da histérica, e por isso o inconsciente foi compreendido sob o modelo do recalque. A esquizoanálise, ao reivindicar um inconsciente maquínico e ao colocar o real no centro da investigação analítica, torna possível abrir-se ao específico “eu sinto” do psicótico (“sinto que estou me tornando mulher”, “sinto que estou me tornando deus”, etc.) que merece uma outra exploração metapsicológica e uma prática completamente diferente daquelas em que o psicanalismo foi confinado com seu niilismo clínico e seu disco riscado de uma análise estrutural foracluída.[98] E foi também por esses caminhos revolucionários que Lacan, a seu próprio modo, pode ir tão longe a ponto de ir além de suas reservas da “questão preliminar” e assim proceder à própria rejeição do “inconsciente freudiano”.
NOTAS
- Nota do Tradutor [N.T]: Utilizamos neste trecho a tradução realizada por Sandra Corazza e Tomaz Tadeu na entrevista com Deleuze em “Sobre Nietzsche e a imagem do pensamento” (1968), publicada em A ilha deserta: e outros textos / Gilles Deleuze, edição preparada por David Lapoujade; organização da edição brasileira e revisão técnica por Luiz B. L. Orlandi – São Paulo, Iluminuras, 2006 (4ª reimpressão, 2019).
- Aliás, Robert Castel saúda a obra de Deleuze e Guattari. Cf. CASTEL, Robert (1973). Le Psychanalysme. L’ordre psychanalytique et le pouvoir, Paris, Champs-Flammarion, 1981.
- GUATTARI, Félix. Édito. Chimères, n° 1, printemps 1987, p. 3.
- “A teoria das pulsões é, por assim dizer, nossa mitologia. As pulsões são entidades míticas, magníficas em sua imprecisão” (ver: FREUD, Sigmund. Nouvelles Conférences d’introduction à la psychanalyse, Paris, Gallimard, 1984, p. 129).
- N.T. Em diálogo com o autor para melhor traduzir esse conceito, ele nos informa que os “sex-gauchistes” [sex-esquerdistas] geralmente se referem a analistas reichianos ou à ideia de que a libertação virá através do sexo, porém se trata de uma palavra utilizada pelos conservadores para estigmatizar seus inimigos.
- FURET, François. Penser la Révolution française, Paris, Gallimard, 1978 / FUKUYAMA, Francis. La Fin de l’histoire et le Dernier Homme, Paris, Flammarion, 1992.
- LE GOFF, Jean-Pierre. Mai 68, l’héritage impossible, Paris, La Découverte, 1998 / MENGUE, Phillipe. Deleuze et la question de la démocratie, Paris, L’Harmattan, 2003. Esta retórica aos acentos vingativos que o livro de Luc Ferry e de Alain Renault leva ao nível da caricatura (L. Ferry, A. Renault, em La Pensée 68, Paris, Gallimard, 1986) combatida desde o fim dos anos 1970 por Deleuze, onde será relida a crítica percursosa dos “novos filósofos” e do aumento em potência de uma relação reacionária com a História em “A propósito dos novos filósofos”, Deux régimes de fous, Paris, Éditions de Minuit, 2003, pp. 127-134 / DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mai 68 n’a pas eu lieu, Chimères, nº 64, 2007, pp. 215-217.
- TRAVERSO, Enzo. “Révolutions, 1789 et 1917 après 1989. Sur François Furet et Arno J. Mayer”, em L’Histoire comme champ de bataille, Paris, La Découverte, 2011 / HOBSBAWM, Eric. Aux Armes, historiens. Deux siècles d’histoire de la Révolution française, Paris, La Découverte, 2007. Sobre a reavaliação de O anti-Édipo, ver: ALLIEZ, Eric. Gilles Deleuze, une vie philosophique, Paris, Les Empêcheurs de penser en rond, 1998 / SILBERTIN-BLANC, Guillaume. Deleuze et L’Anti-Œdipe: la production du désir, Paris, PUF, 2010 / MOULIER-BOUTANG, Yann (org.), “L’effet Guattari”, Multitudes, n° 34, 2008 / FISCHBACH, Franck. Sans objet. Capitalisme, subjectivité, aliénation, Paris, Vrin, 2009; e sobre a pertinência dos conceitos deleuzo-guattarianos para pensar o processo de “mundialização”, ver: ANTONIOLI, Manola. Géophilosophie de Deleuze et Guattari, Paris, L’Harmattan 2004.
- Retomo aqui o fio de uma discussão com Joel Birman, convidado em 2009 por Christian Hoffmann no âmbito de seu seminário doutoral de psicopatologia clínica em Paris VII. Birman explicava como a suposta pureza da exegese lacaniana impedia leituras fecundas de Lacan. Ele realizou sua argumentação através de seu livro onde cruza Lacan e Foucault (Foucault et la psychanalyse, Paris, Parangon, 2007), porém acabou sendo alvo de um tiro defensivo por parte de alguns estudantes em formação de escolas psicanalíticas.
- O anti-Édipo, seria, na verdade “l’anté-Œdipe”. Segundo André Green, Deleuze e Guattari apenas se referem ao “primeiro Freud”, aquele anterior ao nascimento da psicanálise (ver: GREEN, André. “Deleuze et Guattari, Réflexions critiques”, Revue française de psychanalyse, nº 3, 1972). No início dos anos 2000, em um seminário no departamento de psicanálise da Paris VIII, o lacaniano Serge Cottet afastou o conjunto das propostas teóricas de O anti-Édipo, impondo que de algum modo estes autores se voltaram a uma concepção do inconsciente pré-freudiana, a de D. H. Lawrence…
- NADAUD, Stéphane (org.). Félix Guattari: Écrits pour L’Anti-Œdipe, Paris, Lignes-Manifeste, 2004.
- DELEUZE, Gilles. Présentation de Sacher-Masoch, Paris, Éditions de Minuit, 1961.
- Na aula de 12 de março do seu seminário intitulado D’un Autre à l’autre, Lacan fala de Logique du sens como um “livro capital”, em aliança ao que ele próprio tentava elaborar (ver LACAN, Jacques. Le Séminaire. Livre XVI, D’un Autre à l’autre, Paris, Seuil, 2005). Pouco antes, ele havia desafiado seus discípulos a produzirem uma análise tão brilhante quanto a de Deleuze sobre Sacher-Masoch.
- COTTET, Serge. Deleuze, son schizo et l’angoisse. Quarto, nº 86, 2006.
- Um breve trecho: “[…] é esta a aventura da linguagem psicótica. O caráter fundamental não é tratar as palavras como se fossem coisas, mas, por um lado imbricar as coisas nas palavras (seguindo a lei dos pedaços sobre os pedaços do objeto parcial ou da palavra estilhaçada), por outro lado, insuflar o conhecimento nas palavras (seguindo a lei fluxo no fluxo do objeto completo ou da palavra indecompostável)” (ver: DELEUZE, Gilles. Prefácio à Louis Wolfson, em Le Schizo et les langues, Paris, Gallimard, 1970, p. 23). Tradução nossa.
- Podemos citar aqui os psicanalistas que participam da Chimères, revista de Esquizo-análise, fundada por Deleuze e Guattari: Jean-Claude Polack, Danièle Sivadon-Sabourin, Annick Kouba, Paul Brétécher, Zorka Domic… Destacam-se também dois livros fundadores: POLACK, Jean-Claude, SIVADON-SAOURIN, Danièle. La Borde ou le droit à la folie, op. cit., e, sob a mesma autoria, L’Intime utopie: travail analytique et processus psychotiques, Paris, PUF, 1991.
- GUATTARI, Félix. Les Années d’hiver, Paris, Les Prairies ordinaires, 2009. Ver também: CUSSET, François. La Décennie. Le grand cauchemar des années 1980, Paris, La Découverte, 2008 / CHÂTELET, Gilles. Vivre et penser comme des porcs, Paris, Gallimard, 1999; e ÉRIBON, Didier. D’une Révolution conservatrice et de ses effets sur la gauche française, Paris, Leo Scheer, 2007.
- Contrasta com a emulação em curso no Brasil, onde, desde o final da década de 1990, um instituto de esquizoanálise subsidiado pelo governo intervém no campo social com público jovem e produz pesquisas específicas, e onde a Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte, dá lugar ao ensino deleuzo-guattariano.
- Nesse sentido, podemos saudar o debate organizado por Maurice Nadeau quando o livro foi publicado como parte de La quinzaine littéraire (nº 143, 16-30 de junho de 1972, pp. 15-19). Na discussão, muito rica, longe de futuras caricaturas, estiveram representantes da psiquiatria, psicanálise, filosofia e etnologia, com, entre outros, François Châtelet, Horace Torrubia, Pierre Clastres, Roger Dadoun, Serge Leclaire “Deleuze e Guattari se explicam”, em A Ilha Deserta …, op. cit., pp. 301-319.
- ANZIEU, Didier. Freud et la mythologie, em Incidences de la psychanalyse, n ° 1, 1970, pp. 126-129. Acerca desse tema, Anzieu é citado duas vezes em O anti-Édipo, página 396, bem como na página 402. Deste ponto de vista, a crítica de André Green ao O anti-Édipo é mais do que parcial: a aposta do livro, como eu já disse, não se reduz a um “retorno a Freud antes de Freud” (ver: GREEN, André. “Deleuze et Guattari, Réflexions critiques”, Revue française de psychanalyse, nº 3, 1972, p. 494).
- O anti-Édipo, p. 112.
- DOSSE, François. Gilles Deleuze et Félix Guattari: biographie croisée, Paris, La Découverte, 2007.
- “Aliás, Guattari é reconhecido como analista profissional e de obediência lacaniana, membro de sua escola. Em 1975, três anos após a publicação da obra, ele ainda mantém uma clientela de 35 pessoas” (ibid., p. 223).
- Vários coletivos nasceram no período fecundo do pós-guerra, incluindo o de “Dr. Batia”, pseudônimo de Ajuriaguera (resistente espanhol como Tosquelles) que significa esperança em basco. Encontramos Lacan, Bonnafé, Henry Ey, Louis Le Guillant, Paul Sivadon, Swen Follin, etc. Em seguida, será criado o grupo Sèvres e, finalmente, o GTPSI. Sobre o GTPSI, ver: O. Appril, Une avant-garde psychiatrique: le moment GTPSI, Paris, EPEL, 2013.
- Entre os membros fundadores que trabalham na La Borde: Lion Murard, François Fourquet, Michel Rostain, Georges Préli, Liane Mozère…
- Centradas em questões “psi”, as edições dos anos 1960 ao início dos 1970 são editados por Guattari, M. Mannoni, Michaud, Oury… Paumelle, Bonnafé, Lacan, Loureau, Basaglia, entre muitas outras contribuições.
- Citado por J. Ayme, em “Le groupe de Sèvres”, VST, n° 71, 2001, p. 51.
- Esses dois artigos foram publicados em L’Information psychiatrique, Paris, 1949. Para uma história das relações do Partido Comunista (PC) e do marxismo com a psiquiatria e a psicanálise no nível do estabelecimento de redes institucionais, ver Y. Gigou, M. Ciardi, “Le PCF et l’inconscient”, loc. cit.
- O decreto de 30 de dezembro de 1968 do Ministro da Educação Nacional e do Ministro de Estado dos Assuntos Sociais, que cria um certificado de estudos especiais em psiquiatria, coloca um fim à existência do diploma em neuropsiquiatria.
- Além dos escritos já citados (Oury, Delion, etc.), ver J.-C. Polack, “La Borde en son temps: Chronique d’une clinic critique”, Multitudes, 2004.
- L. Bonnafé, Désaliéner: folie(s) et société(s), op. cit. Voir également VST, n° 83, « Désaliénismes », 2004.
- Para uma revisão mais extensa dos periódicos, consulte J.-F. Bert, “Les HP aussi! Une institution battue en brèche : antipsychiatrie et désaliénation en France”, Cahiers d’Histoire, revue d’histoire critique, n ° 107, 2009.
- C. Castoriadis, L’Institution imaginaire de la société, Paris, Seuil, 1975.
- Ver P.-C. Racamier, Le psychanalyste sans divan…, op. cit.
- Ver P. Delion, “Thérapeutiques institutionnelles”, Encyclopédie médico-chirugicale, Psychiatrie, Paris, Elsevier-Masson, 2001 (repris sur le site de la revue Institutions, Revue de psychothérapie institutionnelle); R. Castel, “L’institution psychiatrique en question”, Revue française de sociologie, n° XII, 1971.
- Suas contribuições foram reunidas no livro Psychanalyse et transversalité. Essais d’analyse institutionnelle, op. cit.
- R. Jacoby, Otto Fenichel…, op. cit., p. 21.
- Quando nos lembramos da sequência da década de 1920 e do lugar que Freud ocupa, não vemos como certos manuais podem afirmar que Freud ficou surpreendido com o movimento psicanalítico por volta de maio de 68. São estas observações que nos surpreendem …
- P.-L. Assoun, «Freudisme et indifférentisme politique », Hermès, n° 5-6, 1989.
- E. Jones, La Vie et l’œuvre de Sigmund Freud, tome III, Paris, PUF, 2006, p. 389.
- No entanto, surge um mal-estar quando, por exemplo, Jacques Hochmann (em um seminário “d’Utopsi”) não hesita em tratar clínicos tão variados quanto Mannoni, Deligny, Tosquelles, ou autores como Foucault, idealistas excessivos ou “rousseaunistas”, e qualificar a época da militância na psiquiatria como um parêntese infeliz na história, quando sabemos, além disso, que em sua própria juventude, ele persistiu em um ensaio que defendia uma ”psiquiatria comunitária” (J. Hochmann, Pour une psychiatrie communautaire, Paris, Seuil, 1971). Tal atitude faz pensar: será que Hochmann não está falando de seus próprios “erros da juventude” em uma época em que certamente foi pego nos “excessos da crítica dos anos setenta” da qual ele é hoje “razoavelmente” retorna? Essa provável “reviravolta” não é, obviamente, exclusiva dele. Outros, na vulgata lacaniana em particular, se destacaram particularmente nela. Na virada reacionária da década de 1980, além dos livros de historiadores já mencionados, ler ou reler o panfleto de Hocquenghem, Lettre ouverte à ceux qui sont passés du col Mao au Rotary (1986), Marseille, Agone, 2003.
- O «manifeste pour la psychanalyse » é a esse respeito a posição mínima que se pode ter o direito de esperar. S. Aoullié, P. Bruno, F. Chaumon, M. Plon, E. Porge, Manifeste pour la psychanalyse, Paris, La Fabrique, 2010.
- Reconheceremos aqui um certo número de ensaios de “psicanálise aplicada” à Revolução Francesa, cuja orientação se une, a seu modo, à corrente reacionária da disciplina histórica que mencionamos e que consistiu em pensar a revolução pelo episódio de terror. Melhor do que o próprio Furet, a psicanálise mais refinada sempre se destaca. Cf. P.-L. Assoun, Tuer le mort, le désir révolutionnaire, Paris, PUF, 2015 ; J. André, La Révolution fratricide, Paris, PUF, 1993.
- Infelizmente sem qualquer relevância clínico-teórica… Os exemplos mais divulgados: S. Žižek, Subversions du Sujet. Psychanalyse, philosophie, politique, Rouen, Presses universitaires de Rennes, 1999, et Bienvenue dans le désert du réel, Paris, Flammarion, 2005 ; A. Badiou, Lacan, l’antiphilosophie 3, 1994-1995, Paris, Fayard, 2013.
- LACAN, Jacques. Écrits, Paris, Seuil, 1966, p. 813 et 818.
- LACAN, Jacques. Le Séminaire. Livre X, L’Angoisse (1962-1963), Paris, Seuil, 2004, p. 98. SEMINÁRIO 10, A Angustia, p. 98.
- Em relação ao corpo da mãe que ocupa o lugar da Coisa, podemos, portanto, entender que “fazer um” com a Coisa seria sair do campo do significante e da subjetividade e equivaleria, segundo uma leitura estrutural, ao incesto. Mas o que importa aqui é antes o movimento de abstração que esse conceito permite em relação a qualquer representação familiar imaginária. A Coisa aparece como o Real para além de todas as representações que o sujeito tem dela, seja do Édipo, seja do que a cadeia significante veicula.
- Ibid., p. 232.
- LACAN, Jacques. « Proposition du 9 octobre 1967 sur le psychanalyste de l’École », in J. Lacan, Autres écrits, Paris, Seuil, 2001, p. 587./ J. Lacan, Outros escritos (pp. 139-171). Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1953)
- LACAN, Jacques. Le Séminaire. Livre XVII, L’Envers de la psychanalyse, Paris, Seuil, 1991, pp. 128-129.
- Além disso, o fazem (cf. O anti-Édipo, nota 1, p. 72 ao propor uma versão diferente de todas as que já existem e provavelmente cortadas em vários lugares. Talvez sejam estas as notas de Guattari, que comparecia regularmente ao seminário.
- LACAN, Jacques. “D’une question préliminaire à tout traitement possible de la psychose “, in J. Lacan, Écrits, op. cit.
- O anti-Édipo, p. 477.
- F. Guattari, G. Deleuze, « Capitalisme et schizophrénie », in L’Île déserte…, op. cit., p. 325-326. Tradução nossa.
- S. Leclaire, Principes d’une psychothérapie des psychoses, Paris, Fayard, 1999 (tese de medicina, 1958).
- Je reprends ici la formule et la lecture critique de J.-C. Polack qui connut bien ces années, étant lui-même psychiatre et psychanalyste : J.-C. Polack, Épreuves de la folie, op. cit, p. 52.
- L’Anti-Œdipe, p. 206-207.
- « […] car dire ce que sur ce terrain nous pouvons faire serait prématuré, parce que ce serait aller maintenant “au-delà de Freud”, et qu’il n’est pas question de dépasser Freud, quand la psychanalyse d’après Freud en est revenue […] ». J. Lacan, « D’une question préliminaire à tout traitement possible de la psychose », in Écrits, op. cit., 1966, p. 583.
- LACAN, Jacques. Les psychoses, Paris, Seuil, 1981, p. 94. SEMINÁRIO 3, AS PSICOSES, p. 98.
- LACAN, Jacques. Les Psychoses, op. cit., p. 286. SEMINÁRIO 3, AS PSICOSES, p. 286,
- Isso é o que aprendemos com J.-C. Polack, que foi analisando de Lacan e estava no controle de Pankow. Quando ele falou com esta última sobre seus pacientes em La Borde e o que Lacan disse sobre eles, Pankow declarou sem rodeios: “De qualquer forma, Lacan não era psicanalista”.
- F. Davoine, J.-M. Gaudillière, Histoire et trauma, Paris, Stock, 2006, p. 173.
- G. Michaud, Figures du réel…, op. cit., (cité dans J.-C. Polack, Épreuves de la folie, op. cit., p 57). C’est lors des journées de l’École freudienne de Paris de 1976 à Strasbourg que Lacan aurait indiqué cet enjeu, précise Ginette Michaud dans son livre postérieur, Essais sur la schizophrénie et le traitement des psychoses, Toulouse, Érès, 2005, p. 9.
- J. Oury, M. Depussé, À quelle heure passe le train?, op. cit., p. 78-79.
- Podemos nos referir a seu artigo original: “La connaissance clinique : histoire et structure en médecine et en psychiatrie”, L’Évolution psychiatrique, n ° 47, 1982, ou G. Lantéri-Laura (com M. Gros, Ph. Chaslin), Essai sur la discordance dans la psychiatrie contemporaine, Paris, EPEL, 1992.
- O anti-Édipo, p. 74.
- J. Lacan, Les Écrits techniques de Freud (1953-1954), Paris, Seuil, 1975, p. 101.
- Ibid.
- O anti-Édipo, p. 405.
- Ibid., p. 115.
- Ibid., p. 116.
- Ibid., 1972, pp. 57-58.
- Esta é a nota 33 de O anti-Édipo, p. 58 acerca de Lacan, “Remarque sur le rapport de Daniel Lagache”, em Écrits, Paris, Seuil, p. 658.
- S. Leclaire, “La réalité du désir”, em Sexualités humaines, Paris, Aubier, 1970, p. 242-249. Mas, assim que este vasto domínio foi descoberto, Leclaire rapidamente o reindexou em um conjunto estruturado “pela unidade do Falo como um significante de ausência”. Como explicar esse rebaixamento? Não foi precisamente por causa de seu audacioso avanço teórico que Leclaire estava ainda mais “desejoso” [soucieux] para retornar ao “conhecido” e dentro dos limites circunscritos da psicanálise dominante, perguntem a Deleuze e Guattari (L’Anti-Édipo, p. 476)? Voltaremos a este assunto mais tarde. Pois, aquele Leclaire pode ter a audácia de tal hipótese para recair imediatamente nas áreas demarcadas da lógica simbólica e que ao mesmo tempo, e alhures, pode permitir, por alguns de seus trabalhos acima mencionados, a “caçada pela foraclusão”, ou seja, enquiistar a prática na matriz de um conformismo normativo clínico, na realidade apenas atesta um aparente paradoxo entre teoria e prática clínica, que também falha, como veremos, Melanie Klein. Por isso que, com Deleuze e Guattari, faremos a gênese freudiana desse paradoxo.
- O anti-Édipo, p. 43.
- Isso quer dizer que não se funde com ela, mas vem em seu lugar como a “causa do desejo” do sujeito, substituto da Coisa.
- Para uma exploração mais aprofundada da discussão entre Lacan e Lévi-Strauss, podemos nos reportar ao nosso artigo: F. Gabarron-Garcia, “De l’anthropologie de la psychanalyse à la psychanalyse de l’anthropologie. Étude comparée de la fonction symbolique chez Lévi-Strauss et chez Lacan”, Journal des anthropologues, n ° 116, 2009. E, na continuidade deste artigo, para aprofundar a perspectiva relativa às relações da “Coisa” no sujeito da psicanálise, sua relação com o advento da ciência e as modalidades de gozo historicamente determinadas: F. Gabarron-Garcia, “Pensée magique et inconscient réel: jouissance et politique dans la psychanalyse chez Lacan et chez Deleuze/Guattari”, Cliniques méditerranéennes, n° 85, 2012.
- O anti-Édipo, p. 409.
- Ibid., pp. 74-75.
- Ibid., pp. 75-76.
- Ibid., p. 115.
- Ibid., 1972, p. 407.
- Por exemplo, Jacques-Alain Miller faz este comentário sobre a apreciação de Lacan: “O anti-Édipo é uma variação sobre um tema de Lacan, a crítica do edipianismo ingênuo, enriquecido com elogios, não sem humor, da esquizofrenia. Aliás, foi uma progenitura que Lacan reconheceu, enquanto a taxava de delirante” (J.-A. Miller, “Une histoire de la psychanalyse”, Magazine littéraire, n ° 271, Paris, 1989).
- N.T.: o autor aprofunda essa questão em seu livro L’héritage politique de la psychanalyse. Pour une clinique du réel (ed. La Lenteur, 2018).
- O anti-Édipo, p. 116.
- N.T.: o autor trabalha mais sobre esses aspectos no livro L’héritage politique de la psychanalyse. Pour une clinique du réel (ed. La Lenteur, 2018).
- O. Mannoni, “Schreber als Schreber”, Clefs pour l’imaginaire, Paris, Seuil, 1969, p. 94.
- O. Mannoni, “La pathogenèse de la création”, Fictions freudiennes, Paris, Seuil, 1978, p. 195.
- A. Green, “Transcription d’origine inconnue”, Nouvelle revue de psychanalyse, n° 16, 1977, p. 27.
- Textes réunis et présentés par L. E. Prado de Oliveira, Schreber et la paranoïa, le meurtre d’âme, Paris, L’ harmattan, 2000.
- F. Dosse, Gilles Deleuze et Félix Guattari: biographie croisée, op. cit., p. 252-253.
- do lado do “freudianismo clássico”, as coisas não eram melhores. Como no campo lacaniano, cedem à tentação nosográfica. A partir da questão psicogenética, diferentes interpretações foram colocadas para discutir a homossexualidade do “caso Schreber”. Podemos reter, por exemplo, os artigos de Janine Chasseguet-Smirgel, “notes de lecture en marge de la révision du cas schreber”, e Ilse Barande, “Lecture des “Mémoires” de Schreber”, Revue française de psychanalyse, tomo XXX, No. 1, 1966.
- observem que ele somente perdura na França. Há muito tempo, de fato, existem congressos de esquizoanálise na América do Sul e também um instituto de esquizoanálise. No entanto, “longe das vivas controvérsias da época”, a psicanalista Catherine Millot em uma entrevista recente com François Dosse reconheceu no livro de Deleuze e Guattari “o mérito de ter apresentado uma concepção não deficitária da psicose” (F. dosse, op. cit., p. 266).
- cf. J.-A. Miller, L’inconscient réel, Quarto, no 88-89, 2007; Tout le monde délire, Revue de la cause freudienne, nº 67, 2007; Retour sur la psychose ordinaire, Quarto, nº 94-95, 2009. e é assim, que Marie-Hélène Brousse, em bom “mile rienne”, declara a passagem de uma “clínica não estrutural” a uma diferença clínica, uma “clínica diferencial” (M.-h. Brousse, La psychose ordinaire à la lumière de la théorie lacanienne du discours, Quarto, no 94-95, 2009, p. 11.
- C. Soler, Lacan, l’inconscient réinventé, Paris, PUF, 2009.
- C. Soler, Lacan, l’inconscient réinventé, Paris, PUF, 2009.
- N.T.: O capítulo XXX do livro L’héritage politique de la psychanalyse. Pour une clinique du réel (ed. La Lenteur, 2018) foi dedicado contra esse conformismo do psicanalismo através da leitura cruzada das contribuições de Deleuze, Guattari e Lacan. Segundo o autor, essa leitura permite liberar a hipótese do inconsciente real de qualquer ortodoxia normativa, precisamente o que se almejava, cada um a seu modo por Deleuze e Guattari como Lacan dos anos setenta, onde, hoje, alguns dos discípulos de os últimos, embora “emancipados” do estruturalismo, ainda encontram um caminho para renová-lo em novas formas.
- N.T.: essa discussão é aprofundada no livro L’héritage politique de la psychanalyse. Pour une clinique du réel (ed. La Lenteur, 2018).
FLORENT GABARRON-GARCIA. Psicanalista, psicólogo, professor da Universidade de Paris 8 e membro da revista Chimères. Autor dos livros L’héritage politique de la psychanalyse. Pour une clinique du réel (ed. La Lenteur, 2018) e Histoire Populaire de la Psychanalyse (ed. La fabrique, 2021), Uma história da psicanálise popular (ed. Ubu, 2022).
FONTE
Texto publicado em “Psicanálise e Esquizoanálise: diferença e composição” (org. Anderson Santos, 2022, n-1 edições).