ESBOÇOS DA ESQUIZOANÁLISE: O ANTI-ÉDIPO – por Lívia Machado Silva e Fernanda Canavêz Magalhães

ESBOÇOS DA ESQUIZOANÁLISE: O ANTI-ÉDIPO - por Lívia Machado Silva e Fernanda Canavêz Magalhães

Esquizoanálise: O ANTI-ÉDIPO ESBOÇOS DA ESQUIZOANÁLISE: O ANTI-ÉDIPO

No capítulo anterior traçamos alguns aspectos da psicanálise freudiana contextualizando-a historicamente e marcando conceitos que nos serviriam para falar sobre a esquizoanálise. Neste capítulo, abordaremos pontos do discurso psicanalítico que são problematizados por Guattari e Deleuze e pelos demais autores que estudam a abordagem esquizoanalítica.

O livro que inicia o percurso esquizoanalítico e a parceria de Deleuze e Guattari é O Anti-Édipo, o qual, segundo teóricos, a crítica mais radical à psicanálise. (BAREMBLITT, 2003). No livro Introdução a Esquizoanálise, Baremblitt afirma que a psicanálise seria a ciência que dá conta de um determinado modo de produção do sujeito psíquico. Este modo de produção é, sem dúvida, o modo de produção edipiano: “É no seio da estrutura edipiana, que todos os psicanalistas consideram única, eterna e universal, que se gera ‘o sujeito psíquico’”. (BAREMBLITT, 2003, p. 19). A questão apontada por Deleuze e Guattari (2010) é direcionada a uma leitura específica da psicanálise que faz referência ao caráter universal que pode assumir essa definição do ‘sujeito psíquico’.

Antes de avançarmos na discussão dos conceitos nessa abordagem, convém compreender em que contexto esta surgiu, exatamente como foi feito em relação à psicanálise. A década de 1960 foi marcada por inúmeros conflitos, especialmente na França, e também foi um período de grande emergência cultural. Embora a Europa vivenciasse um momento de crescimento econômico, havia, no âmbito social e político, muitas manifestações, principalmente das classes estudantil e operária, que abalavam as estruturas do Estado.

Entre os conflitos existentes, uma das mais emblemáticas manifestações dirigidas pelos movimentos estudantis ocorreu em favor da abertura da universidade de Nanterre, na França e forneceu ao período a denominação de “Maio de 68”. (DELEUZE, 2010). As reivindicações giravam em torno de temas sociais, dentre os quais a aproximação do Estado junto à realidade da população, a garantia dos direitos trabalhistas, a insatisfação em relação à Guerra do Vietnã (1955-1975) e a corrida aos armamentos nucleares que instauravam a possibilidade de uma nova guerra mundial. Logo, é nesse contexto de reivindicações sociais que Deleuze e Guattari vão estruturar a teoria esquizoanalítica. (BAREMBLITT, 2003).

Como antevisto, é possível afirmar que a crítica esquizoanalítica ao discurso psicanalítico estava centrada na universalidade da concepção de sujeito, formado por um imperialismo edipiano. Assim, afirma Deleuze

O que atacamos não é uma ideologia que seria a da psicanálise. É a própria psicanálise e sua teoria. […] chamamos idealismo da psicanálise todo o sistema de rebatimentos, de reduções na teoria e nas práticas analíticas: redução da produção desejante a um sistema de representações ditas inconscientes e a redução a uma cena de teatro, Édipo, Hamlet. (DELEUZE, 2010, p. 27).

A elaboração da esquizoanálise estava direcionada para essa visão que a psicanálise pode assumir em relação a noção de sujeito como produto do complexo de Édipo. Contudo, podemos dizer que Deleuze e Guattari propõem, para além de um outro olhar sobre o sujeito, uma problematização das relações existentes no campo macro e micropolítico, como a cultura, natureza, sociedade, economia, política, família, estado, história, o saber , a „verdade‟, valores, sexualidade e uma série de agenciamentos que envolvem a produção de sujeitos e modos de ser no mundo. Deleuze e Guattari combatiam a importância dada ao significante10 intrepretado na psicanálise e como os discursos estratificados impediam e impedem até hoje um fluxo mais ‘livre’ da produção de subjetividade.

O significante ainda pertence à questão “o que isso quer dizer?”. Mas para nós o inconsciente não quer dizer nada […]. O inconsciente é um micro-inconsciente, ele é molecular, a esquizoanálise, é uma microanálise. A única questão é como isso funciona, com intensidades, fluxos, processos… (DELEUZE, 2010, p.33-34).

Na citação acima é possível compreender que a aposta dos autores é ampliar a visão do Édipo na psicanálise adicionando esferas que não se limitam à visão interiorizada do sujeito. Há uma iniciativa da esquizoanálise em abrir os conceitos, principalmente os colocados por Freud e possibilitar uma passagem de criação do inconsciente.

Essa dinâmica busca evidenciar uma produção que é maquínica, está sujeitada a uma ordem capitalística11 de produção, produção material, midiática, sexual e de desejo em primeira instância, podemos dizer, de produção de seres-engrenagem da estrutura capitalística. A utilização da palavra ‘maquínico’ não se refere à mecânica. Guattari (1986) explica que existem as máquinas técnicas assim como as máquinas sociais, as estéticas e as teóricas, e algumas máquinas estão/são territorializadas enquanto outras estão desterritorializadas. Elas assumem um outro modo de funcionamento, chamado de engendramento.

A noção de engendramento parte da ideia de inventar, produzir. Quando Guattari afirma que as máquinas estão engendradas significa que elas estão conectadas de tal modo que não mais se diferenciam ou funcionam em separado. Elas se conectam e formam algo novo que, mesmo carregando as características das máquinas originárias, não podem mais ser limitadas ao que eram antes e nesse sentido acabam eliminando-se, pois já não são genuinamente aquelas anteriores. Ou seja, elas se engendram eliminando-se, selecionando-se de forma que dessas ligações possam surgir outros modos de expressão.

Nesse ínterim Guattari (1986) vai falar sobre a noção de Capitalismo Mundial Integrado (CMI), expressão criada em 1970 e se refere ao modo de produção vigente que é globalizado e nivelador, produtor de subjetividades pautadas numa lógica de mercado. Ele percebe que, nas sociedades pré-capitalistas, a questão da libido estava ligada a estruturas ‘estáveis’ como as elucidadas por Freud: a família, a profissão, as classes… Logo, com a introdução dos ideais capitalistas há uma destruição das antigas estruturas que estavam de certo modo territorializadas gerando novos modos de produção e, simultaneamente, uma gigante indústria da normalização. O CMI age, segundo Guattari (1986), através de uma dupla opressão: a primeira ocorre no registro econômico e social, já a segunda refere-se à produção de subjetividade. Ele afirma: “uma imensa máquina produtiva de uma subjetividade industrializada e nivelada em escala mundial tornou-se dado de base na formação da força coletiva de trabalho e da força de controle social coletivo.” (GUATTARI & ROLNIK, 1986, p. 39).

Para o autor, essa produção da subjetividade capitalística assume funções. A primeira seria a de culpabilização, na qual somos frequentemente impelidos a não nos referenciarmos enquanto sujeitos de voz ativa. Há sempre um modelo, uma referência que não conseguimos atingir e por isso nos colocamos culpados. Outra função ligada a esta é a segregação, que pressupõe uma “hierarquia inconsciente, escalas de valor e sistemas de disciplinarização, onde os diferentes indivíduos terão que se situar”. (GUATTARI & ROLNIK, 1986, p. 41). Por fim, a infantilização, que direciona o controle da vida, do social, das relações, sejam econômicas ou não, ao Estado. Como afirma Guattari (1986):

A infantilização – por exemplo, das mulheres, dos loucos, de certos setores sociais ou de qualquer comportamento dissidente – consiste em que tudo que se faz, se pensa ou se possa vir a fazer ou pensar seja mediado pelo Estado. Qualquer tipo de troca econômica, qualquer tipo de produção cultural ou social tende a passar pela mediação do Estado. Essa relação de dependência do Estado é um dos elementos essenciais da subjetividade capitalística. (GUATTARI & ROLNIK, 1986, p. 42).

O sentido dado por Guattari ao explicitar essas funções maquínicas se dá em prol de uma abertura de possibilidades de desvio e de reapropriação que a subjetividade possui. A tomada de uma posição evidencia o impasse que é a constituição do sujeito e suas escolhas. Uma simples escolha, por exemplo, não se restringe à economia política, ou a uma luta intrapsíquica apenas; como se esses lugares fossem estanques e não permeáveis. Mas se refere, sobretudo, a um conjunto de afrontamentos que são de diversas ordens, entre elas a econômica e a subjetiva. Assim como Foucault (1982) discorre sobre os modos de subjetivação, pensar sobre o psíquico ou o subjetivo implica enaltecer as diversas formas de subjetivação e não um modelo único ao qual todos estaríamos submetidos.

Então, não bastava simplesmente dizer ser contra o postulado edipiano, mas afirmar outro modo de funcionamento do inconsciente, diferenciando-se, portanto, daquele postulado por Freud. Guattari (1986) esquematiza algumas diferenciações do inconsciente freudiano para o inconsciente esquizoanalítico. Como já foi falado em parágrafos anteriores, o inconsciente entendido como „maquínico‟ devido ao fato desse não estar centrado apenas na subjetividade humana, mas atuando nos diversos fluxos de signos, fluxos sociais e materiais, à semelhança de uma máquina e suas engrenagens. Ele se inspira no „modelo‟ da psicose, ao contrário de Freud, que, apesar de ter tido contato com casos de psicose, se inspirou majoritariamente no modelo das neuroses para aventar o método psicanalítico, o que correspondia ao desafio médico e científico da época.

Ainda a respeito desse inconsciente múltiplo, Fonseca (2009) afirma que

A noção de inconsciente, aqui, diz respeito a uma polifonia, a uma heterogênese de corpos que se atualiza no momento em que falamos/agimos. O inconsciente maquínico, entendido enquanto dimensão processual, engendramentos criadores e mutantes. Uma perspectiva que lançou a noção de inconsciente para uma exterioridade. (p. 59).

É importante salientar que esse modelo não se opõe, em termos absolutos, àquele de inconsciente psicanalítico. Segundo Guattari (1986/1987), o inconsciente privado (edipiano) teve uma grande importância na nossa sociedade, pois é nele que se apoia todo o sistema de culpabilização, de interiorização das normas que permitem que as sociedades funcionem. Sabemos que, em um primeiro momento da teoria freudiana, o inconsciente é determinado, tudo tem um destino e funciona com o duplo movimento: Repulsão – da consciência /pré-consciente, de conteúdos não tolerados e Atração – originado a partir das formações psíquicas recalcadas no inconsciente. Mas esse modelo é colocado em xeque com o surgimento da pulsão de morte.

Mesmo assim, ainda que não haja uma ruptura total com esse modelo de inconsciente freudiano, o inconsciente esquizoanalítico não vai se limitar a desejos tipificados como, por exemplo, os clássicos: “seio, pênis e fezes; e sim uma multidão de objetos singulares, heterogêneos uns aos outros, articulando-se em constelações funcionais não serão redutíveis a complexos universais.” (GUATTARI, 2010, p.168). A crítica da esquizoanálise nesse ponto é questionar o modelo de inconsciente calcado na representação, estruturado por Freud de acordo com a elaboração do complexo de Édipo.

Para compreender melhor a proposta, cabe citar um trecho do livro Micropolítica: Cartografia do Desejo (1986), em que os autores propõem

a substituição da concepção de um inconsciente fundado sobre uma economia de quantidades pulsionais e uma dinâmica de representações conflituais, por uma modelização transformacional tal que, em certas condições os territórios do ‘Ego’, os ‘universos’ da alteridade, as máquinas de desejo, os agenciamentos semióticos, possam se engendrar uns aos outros. (GUATTARI & ROLNIK, 1986, p.269).

Como foi citado anteriormente, as críticas feitas ao modelo freudiano circunscrevem-se, sobretudo, a uma das leituras possíveis que podem ser feitas a respeito do processo psíquico pautado na representação. No entanto, como foi visto no primeiro capítulo, a pulsão de morte assume a função de questionar esse modelo, o que converge salvaguardando as proporções com as críticas apontadas pelo movimento esquizoanalista.

Guattari ainda aponta neste livro que: “(…) o inconsciente maquínico corresponderia ao agenciamento das produções de desejo e, ao mesmo tempo, a uma maneira de cartografa-las. O inconsciente maquínico é aquele que tenderia a produzir singularidades subjetivas.” (GUATTARI & ROLNIK, 1986, p.210). Mas, afinal de contas, o que estes autores estão chamando de agenciamento?

A noção de agenciamento surge no esboço da teoria esquizoanalítica para substituir a noção de “complexo” freudiano, por exemplo o complexo de Édipo abordado no capítulo anterior. É necessário retormarmos a definição de Freud a respeito do que ele conceitua sobre o termo “complexo”. De acordo com a definição no dicionário de língua portuguesa, o termo denota um „conjunto de sentimentos recalcados‟ (LUFT, 2001, p.182). Em Laplanche e Pontalis (1967) a definição de complexo assume um sentido mais apropriado a obra freudiana que afirma o termo como: “um conjunto organizado de representações e recordações de forte valor afectivo, parcialmente ou totalmente inconscientes.” (p.336). Além disso, os autores afirmam que o complexo constitui-se a partir das relações interpessoais da história infantil e pode estruturar todos os níveis psicológicos como: emoções, atitudes e comportamentos adaptados.

A partir desse esclarecimento, é possível fazer uma ponte para a noção de agenciamento. Segundo Guattari (1986) este conceito é entendido como um encontro de corpos que são heterogêneos e que passam a funcionar juntos a fim de que algo seja produzido ou algo se passe entre eles. Para Guattari e Rolnik (1986), ele pode assumir componentes de ordem biológica, social, maquínica, imaginária, entre outros. O polo estrato dos agenciamentos são considerados molares e tendem a reduzir o campo da experimentação do desejo. No entanto, a maneira como o indivíduo participa desse agenciamento, seja ele social ou imaginário, irá determinar os agenciamentos locais, singulares ou moleculares. Nesse sentido, há um distanciamento da definição de complexo apontado acima, pois segundo os autores, o agenciamento mostra-se mais permeável às situações externas ao aparato psíquico, diferente do complexo que, de acordo com a definição, aponta para articulações mais “fechadas” sobre o psiquismo, que ficariam restritas à ordem exclusivamente “individual”.

Um agenciamento na concepção desses autores comporta duas faces: uma de conteúdo ou agenciamento maquínico e outra de expressão ou agenciamento coletivo de enunciação. Mas como explicar esses campos na dinâmica esquizoanalítica? Podemos pensar a articulação dessas faces como aquela capaz de permitir uma estratificação, fixação subjetiva correspondente ao agenciamento maquínico. E, em outro sentido, permitir uma criação que está intimamente ligada ao desejo o que corresponde ao agenciamento coletivo de enunciação.

Zourabichvili (2004) afirma que “todo agenciamento, uma vez que remete em última instância ao campo de desejo sobre o qual se constitui, é afetado por um certo desequilíbrio.” (p. 9). A questão que se coloca então são os modos como cada um irá combinar os dois tipos de agenciamentos e seus graus de variação na experiência subjetiva.

Até aqui afirmamos o desejo como campo onde os agenciamentos se encontram, onde ocorre uma produção. No entanto, não definimos o desejo para a abordagem esquizoanalítica. Observamos no capítulo anterior conceitos relativos à constituição da psicanálise freudiana e que a noção de desejo assumia duas leituras possíveis. Uma entendia o desejo como força que impulsionava os sujeitos a buscarem objetos de prazer que supostamente foram perdidos. Então o desejo, nesse sentido, se sustentaria por uma falta. Contudo, após a leitura de Herzog (2001), obtivemos uma outra concepção de desejo, que também está presente em Freud e mostra um funcionamento desejante baseado numa espécie de vontade de invenção, de intensidade, de criação, que não se mobilizaria pela falta do objeto mas sim pelo impulso ao novo.

A esquizoanálise, como Deleuze e Guattari apontam no livro Conversações (2010), tinha uma crítica muito clara – atingir os pontos que a psicanálise deixou de lado – e, de acordo com eles, um desses pontos foi não ter alcançado a noção de máquinas desejantes ao se limitar ao complexo de Édipo; enquanto o outro era não atingir os investimentos sociais da libido ao se fechar nos investimentos familiares. Porém, os autores reconhecem que Freud deu voz e espaço à noção de desejo, inovadora para época.

O desejo que a esquizoanálise sustenta é da ordem da produção de um ‘novo’, ele não se fixa num território ou sistema ele é próprio da sua realidade e da sua produção. Deleuze e Guattari articularão o termo „processo desejante‟ para ressignificar a noção de desejo, que não é mais um desejo de algo perdido; e sim de produção, que passa a ser entendida como produção maquínica, atravessada por diversos fluxos. Cabe uma pequena digressão para indicar que talvez possamos depreender uma leitura do Freud, assim como a feita por Herzog (2001), que aproxima o desejo como motor, para além da tentativa de resgatar algo perdido, do „processo desejante‟ no referencial esquizoanalítico. De todo modo, essa tentativa de aproximação não silencia a crítica endereçada ao discurso freudiano, na articulação do desejo ao complexo de Édipo.

O modo como a esquizoanálise irá articular os processos psíquicos com os componentes de subjetivação e seus fluxos será através do rizoma. Um rizoma pressupõe a realidade e a subjetividade como uma rede com inúmeras ramificações que se conectam e desconectam continuamente. De acordo com Parpinelli e Souza (2005), uma sala de jantar pode exemplificar o modo rizomático de constituição da realidade. Cadeiras, mesa, vaso, tapetes, sujeira, poeira, pessoas etc., são ligações que se interpenetram para formar uma realidade. No entanto, vários outros elementos precedem os objetos da sala e constituem outras malhas rizomáticas. Podemos também nos lembrar do clássico exemplo da bolacha madeleine de Proust (2006), o aroma do chá, todos os sentidos que o transportam a um tempo passado. Em si, a bolacha ou chá não carregam o poder de transportar ninguém, no entanto, para aquele homem, a bolacha e o chá se conectavam e faziam sentido naquela experiência.

De acordo com Zourabichvili (2004), Deleuze e Guattari conceitualizam o rizoma em oposição à dicotomia do modelo arborescente que segundo eles “submete, pelo menos idealmente, o pensamento a uma progressão de princípio a consequência, ora o conduzindo do geral ao particular, ora buscando fundá-lo, ancorá-lo para sempre num solo de verdade”. (2004, p.52).

Mesmo não sendo foco do trabalho, é importante explicar brevemente algumas características do rizoma esquematizados pelos autores. O primeiro deles é o princípio de conexão e heterogeneidade o qual afirma que qualquer parte do rizoma pode se conectar com qualquer parte de outro rizoma. Esse princípio sugere um entendimento descentrado sobre os fenômenos além de agregar o viés heterogêneo. Outro princípio é o da multiplicidade que possibilita pensar esses fenômenos de maneira mais ampla, como sistemas abertos afetados pelos fluxos do desejo. Outro princípio é o da ruptura, onde o rizoma pode ser rompido em qualquer lugar, no entanto essa ruptura não significa uma destruição do sistema como afirma Deleuze e Guattari (2010):

Um rizoma pode ser rompido, quebrado em um lugar qualquer, e também retoma segundo uma ou outra de suas linhas e segundo outras linhas. É impossível exterminar as formigas, porque elas formam um rizoma animal do qual a maior parte pode ser destruída sem que ele deixe de se reconstruir. Todo rizoma compreende linhas de segmentaridade segundo as quais ele é estratificado, territorializado, organizado, significado, atribuído, etc; mas compreende também linhas de desterritorialização pelas quais ele foge sem parar. Há ruptura no rizoma cada vez que linhas segmentares explodem numa linha de fuga, mas a linha de fuga faz parte do rizoma. Estas linhas não param de se remeter uma às outras. É por isto que não se pode contar com um dualismo ou uma dicotomia, nem mesmo sob a forma rudimentar do bom e do mau. (DELEUZE &GUATTARI, 2010, p.18).

O último princípio é o da cartografia, o qual sugere o entendimento sobre o rizoma através de mapa. A cartografia possibilita múltiplas entradas para o acompanhamento da metamorfose do rizoma assim como afirmam os autores: “O mapa é aberto, é conectável em todas as suas dimensões, desmontável, reversível, suscetível de receber modificações constantemente.” (DELEUZE & GUATTARI, 2010, p.22).

Na medida em que os rizomas atuam a partir desses princípios, muitas são as conexões possíveis de um fluxo. Parpinelli & Souza (2005) atentam para uma conexão específica que ocorre quando a máquina desejante se “acopla produzindo devires, passagens destinações daquilo que ali se desenvolve” (p.481). Este é o caso onde as intensidades do corpo atingem o nível zero, ou conhecido como Corpo sem Órgãos (CsO). Não se trata do corpo anatômico ou do funcionamento do organismo, onde existe uma organização, um destino. O CsO se refere a um corpo intensivo, que Deleuze e Guattari utilizam para exemplificar o corpo desejante do qual o esquizofrênico teria sua experiência. Pode-se compreender o sentido do CsO como o corpo da potência que não se fixa em uma forma específica, mas que está sempre em busca, em movimento.

A esquizoanálise não se limita aos conceitos abordados neste trabalho. Percebe-se que um conceito se alinha a outros, e esse movimento se mantém ao longo da estruturação da abordagem esquizoanalítica. No entanto, para os fins a que se propõem essa revisão bibliográfica, os conceitos nos ajudam a tatear o campo minado do qual faz parte a experiência clínica.

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