Quando nós lemos Lacan ou quando nós lemos uma obra de dois espinosistas, Deleuze e Guattari, O Anti-Édipo, nós temos uma surpresa imediata. Inicialmente, não há duvida nenhuma que Lacan é um grande pensador e vai nos deixar muitas coisas para os outros séculos. Mas quando nós lemos a obra de Lacan, que está pensando a herança de Freud: o inconsciente. E quando vemos Deleuze e Guattari no Anti-Édipo e no Mil-Platôs pensando a mesma coisa, o inconsciente, nós temos a maior surpresa. Porque nós que estamos habituados com as leituras freudo psicanálise francesa de 1930 para cá, nós tomamos a maior surpresa. Porque enquanto a psicanálise está falando no inconsciente e está dizendo: “família, castração, Édipo, fantasma…”. Nós passamos para cá para O Anti-Édipo, o que a gente lê? “Forças, máquinas, combinações, passagens de limite…”. O que é que nós vemos? Do lado de cá, pensadores espinosistas, pensando o inconsciente como campo de forças. E do lado de lá: o inconsciente como um campo de significações. Então, evidentemente, o inconsciente que querem nos passar é o inconsciente da superstição… Mas vejam bem, não é dizer que a psicanálise está inventando isso. Esse inconsciente fantasmatizado, castrado e edipiano, ele é real! Porque são as forças políticas reais que o produzem. Ou seja, há uma preocupação em qualquer campo social que você encontrar, em produzir o inconsciente. Agora, a tolice que cai essas teorias que vão por aí, é: acreditar que o inconsciente é fantasma, castração e édipo; quando fantasma, castração e édipo são invenções de poderes políticos. Por isto que o Deleuze [NOTA: E Guattari] – e Espinosa – ao pensar o inconsciente, vai relacionar o inconsciente a um campo de forças, a um campo produtivo – um inconsciente marxista, sem Marx sagrado. Um inconsciente produção, um inconsciente força, ou seja, um inconsciente de uma semiótica das intensidades.
Então a grande diferença – que chega a ser assustador – é quando você pega um texto do Lacan, por exemplo, – tradicional já aqui em nossos saberes – o texto que Lacan chama: “A Família“. Então você vê a família pensada pelo Lacan e você vem para cá e vê a família pensada, por exemplo, pelo Philippe Ariès, que tem uma articulação com Espinosa. E você não reconhece que aquilo é a mesma coisa. É como se passassem dois universos diferentes: de um lado uma estrutura significativa, uma estrutura apavorante, uma estrutura do pecado, uma procura do crime, uma estrutura do pecado original, uma estrutura da dívida infinita. E do outro lado você vê: um campo de forças, um campo de afetos, uma linha de encontros, uma linha de alegria. Uma coisa… é… chega… Eu não sei o que dizer! São os momentos em que o pensamento começa a seguir uma linha de encantamento, ele se encanta! Porque, o que estou dizendo para vocês? Eu sou um teórico, eu sou um pensador. Na minha formação teórica teve o meu momento psicanalítico, o meu momento freudiano. Eu me invadi por aquilo. Aquilo me botou dentro da garganta e me fez muito mal. Então quando eu encontro pensadores, tipo de Espinosa, com os quais eu posso fazer um agenciamento e começar a passar uma coisa nova. Não é que me dê uma esperança. Não é isso. Espinosa vai condenar a esperança também. Não é nada disso. Eu começo a entender que a vida pode ser uma coisa muito bonita. Muito bonita quando? Quando eu a penso enquanto devires e produção. E não enquanto eu a penso como campo significativo e fantasmático.
Então uma leitura da psicanálise francesa, bonita, com seu encanto – toda leitura paranoica tem seu encanto né? – passando lá o seu encanto, mas você vê numa leitura do lado de cá, as linhas são inteiramente diferentes. Você começa a pensar de imediato que é possível produzir um outro planeta, e esse que está aí, ele está assim porque ainda tem dementes e paranoicos dirigindo ele. Ou seja, eu não estou produzindo uma utopia, estou produzindo uma realidade.
Cláudio ULPIANO in: Pensamento e Liberdade em Spinoza. Trecho da Aula gravada em 1988, no Planetário da Gávea, Rio de Janeiro-RJ.
Também disponível no Youtube: https://youtu.be/NNMjVHU7Gog