ESQUIZOGRAFIAS CARTO-ANALÍTICAS: GRAMÁTICAS, DIAGRAMÁTICAS E TOPOLOGIAS EM E ALÉM DE “O ANTI-ÉDIPO”

Essa contribuição consistirá em uma breve série de desvios (cujo sentido tomará forma no decorrer deste ensaio, mas que podemos provisoriamente situar em algum ponto entre a deriva e a linha-de-fuga) através dos planos intersticial e estriado – linguístico, topográfico, orientado à superfície – das gramáticas, esquemáticas e topologias, conforme aparecem e irrompem na extensão, no meio e para além de uma seleção do trabalho predominantemente de Gilles Deleuze e Félix Guattari em O anti-Édipo (1972) e de Jacques Lacan (isto é, da esquizo – e da psicanálise); na qual Sigmund Freud estaria atuando como uma espécie de ponto de estofo e intermediação entre eles. O objetivo será mapear certas sobreposições e destacar certos descuidos que acabaram contribuindo para aumentar ostensivos gaps e suturas que podem ter permanecido ocultos, ainda que ativos, desde o princípio – ou podem ter aparecido através da fusão das trajetórias – do percurso desses pensadores clínicos do campo psi. Ainda que mais próximas ou distantes entre si que popularmente imagina-se, as diferenças entre a psicanálise e a esquizoanálise permanecem integrais e devem ser mantidas; são antes os usos que estão sendo feitos dessas práticas, e os perversos desvios para qual a direção dos tratamentos estão sendo redirecionados por meio de processos de profissionalização, burocratização, academização e mercantilização – tantas manobras capitalistas (e, nos tempos atuais, em um molde especificamente neoliberal) – para qual deve-se mirar o objetivo, e é para a raiz e para os rizomas radicais implantados na constituição e (re)territorialização dessas escolas analíticas que esperamos nos voltar aqui.[1]

Sobre a psicose, primeiramente, Freud foi incapaz ou desinteressado em despender a mesma energia que dedicou às neuroses, mas isso não quer dizer, de forma alguma, que o que ele empreendeu foi insuficiente. Inicialmente tendo excluído a estrutura psicótica da proposta psicanalítica, com o decorrer do tempo veio a firmar seus estudos sobre o tema (através da sua análise do caso do Presidente do Senado Daniel Paul Schreber ou seu uso repetido da palavra “parafrenia” que sustentou ser descritivamente preferencial à “esquizofrenia”, por exemplo), e, posteriormente, concebendo uma crescente posição de centralidade dentro da estrutura psíquica – assim como do split, ou divisão; o próprio ‘esquizo’ – aproximadamente do seu texto Neurose e Psicose (1924) em diante, até a curta, inacabada intervenção na Spaltung (1938). Em Um Estudo Autobiográfico, de 1925, ele faz a seguinte declaração: “tantas coisas que nas neuroses têm de ser laboriosamente extraídas das profundezas são encontradas na superfície nas psicoses, visíveis a quaisquer olhos. Por essa razão, a clínica psiquiátrica oferece os melhores sujeitos para demonstração de muitas afirmações analíticas”.[2]

Foi nesse Freud tardio que Lacan tirou tantas das suas inspirações, que, combinadas com seu próprio início na psiquiatria, o levou a abordar a psicose ali onde Freud não o fez: no interior da clínica psicanalítica. É também neste Freud, e em sua própria pesquisa teórica e prática, que Lacan se orientou – e tomou como ponto de partida – para o sujeito dividido, o princípio chave de toda sua obra, até mesmo cunhando o termo “esquizografia” em 1931, que foi aplicado especificamente para a escrita dos esquizofrênicos que examinava na época, mas que serve belamente como uma prefiguração de muito da forma das produções em conjunto de Deleuze e Guattari, inscrevendo-os nas multiplicidades que a dupla derivou dos modos esquizofrênicos de operação que estavam interessados primariamente.[3] Desse modo, esta será uma cartoanálise da esquizografia – para jogar tanto com a cunhagem de Lacan, como com o título do trabalho solo da última fase de Guattari, Cartographies Schizoanalytiques (1989) – mapeando os diferentes tipos de escrita que distinguem e aproximam esses projetos esquizos e psicanalíticos, enfatizando a radicalidade de cada um e em como eles afetam a clínica contemporânea e suas habilidades para afastar as invasões da mentalidade capitalista nos campos psi. Nessa própria escrita, se habitará e se moverá através de alguns dos registros desses estilistas, para os quais, frequentemente – para parafrasear a descrição de Samuel Beckett do Finnegans Wake de James Joyce – a escrita mesma, daquilo que se trata, é um elemento comovente dos seus trabalhos. 

Um ou Vários Issos? Gramáticas do Inconsciente

 – Freud Contra O anti-Édipo   

1972.
“Mas que erro ter dito o isso”[4]?

Seus: quão possessivo é, quão possessivo permanece, impluravelmente! (Incuravelmente?). Certo, estamos aqui nos inscrevendo em uma máquina linguística específica, em um jogo de linguagem, em uma língua materna. Mas é porque o inconsciente funcionou, linguisticamente (a linguagem como efeitos-inconscientes; linguagem dos afetos-inconscientes; linguagem são efeitos inconscientes e seus afetos inconscientes). É assim que acontece na gramática Inglesa, contudo, no Alemão temos singularmente Es, na França (psicanalítica), ça, e, mesmo no Latim de James Strachey, the id.

Sobre isso ou é ou tem: isso é ou está. Aquela velha dicotomia lacaniana. Deleuze e Guattari nos dizem que “isso fode”. É isso mesmo. Mas isto se reproduz; se diferencia? (A reprodução diferencia ou lamela? Esqueça a multiplicação e a divisão; o truque é achar um no outro: a diferenciação na proliferação, e vice-versa.[5])

E ainda, tem essa coisa de merda que chamamos inconsciente. Que coisinha peculiar, com suas pequenas resistências rabugentas, seus pequenos acessos de raiva, seu pequeno nomadismo sem janelas (uma parede para a alma). Claro, precisamos de um pouco de nomadismo, para esse inconsciente. Esse inconsciente? Mas ele nunca foi um…

Sempre (já, somente) foram (pelo menos) três – vários, uma baita multidão – id-, ego-, e supergoicamente.

1923.
Freud, em O Eu e o Id

Reconhecemos que o Ics não coincide com o reprimido; continua certo que todo reprimido é ics, mas nem todo Ics é também reprimido. Também uma parte do Eu — e sabe Deus quão importante é ela — pode ser ics, é certamente ics. E esse Ics do Eu não é latente no sentido do Pcs, senão não poderia ser ativado sem tornar-se cs, e torná-lo consciente não ofereceria dificuldades tão grandes. Se nos vemos assim obrigados a instituir um terceiro Ics, um não reprimido, temos de conceder que a característica da inconsciência perde alguma importância para nós. Torna-se uma qualidade ambígua, que não autoriza as conclusões abrangentes e inevitáveis para as quais desejaríamos utilizá-la. Mas não devemos negligenciá-la, pois a qualidade de ser consciente ou não é, afinal, a única luz na escuridão da psicologia das profundezas.[6]

1915.

Vamos pousar, então, em nosso caminho, no topografema metapsicológico no qual Freud afirma: “o inconsciente tem um compasso mais amplo”; logo, engloba seus pedaços e seios, de tal forma que, como a natureza – na descrição de Alberto Caeiro (cuja filosofia fundou-se na crença “que as coisas são exatamente o que parecem ser”) – são “partes sem todo”: uma lição freudiana, ensinada (e desaprendida?) por Lacan.[7]

E, onde está Fernando Pessoa em Deleuze e Guattari, afinal? Ele não se tornou praticamente O Profano em O que é a Filosofia? como o poeta em busca da sensação? O impulso Deleuzeano de um “bloco de sensações presentes” como seres nos catapulta em um surpreendente agora, mas que erro, talvez, ter dito o escritor.[8] Isso, nosso verídico Muitos-Homens (os intermináveis heterônimos de Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis e os setenta ou mais, o ortônimo e Bernardo Soares); até a própria Devir-Mulher (e a coisa metade-formada de Maria José e seu heterônimo feminino). Ele talvez seja mais um proto-Lacaniano, incorporando a subjetividade dividida e levando-a aos seus limites – exatamente como Joyce fazia contemporaneamente com a linguagem e a significação – esperando summas exegéticas no trabalho de Judith Balso e Alain Badiou.[9]

Um ou vários egos[10]

1923.

Às vezes ouvimos expressões de espanto pelo fato de o Eu do sonhador aparecer duas ou três vezes no sonho manifesto, uma vez como sua própria pessoa e outras escondido atrás de outras pessoas. Durante a formação do sonho, a elaboração secundária buscou evidentemente eliminar essa multiplicidade do Eu, que não se adequa a nenhuma situação cênica; mas ela é restabelecida pelo trabalho de interpretação. Em si, ela não é mais notável que a múltipla aparição do Eu num pensamento diurno, desperto, sobretudo quando o Eu se divide em sujeito e objeto, contrapõe-se a outra parte sua, como instância observadora e crítica, ou compara seu ser atual a um passado, lembrado, que um dia também foi Eu. Isso ocorre nas seguintes frases, por exemplo: “Quando eu penso no que eu fiz a esta pessoa”, “Quando eu penso que eu também já fui criança.[11]

O “split” (spl-it), o “schizz” (Grego: ‘σχίζειν’, ‘skhizein’; esquizo): está bem ali nele, todo o tempo, inscrito na língua e na bochecha pela papada, assim como está bem ali em mim, (Ich, moi, ego). Sim, até no ego, onde id estava, isso está. Mesmo no cogito – como Lacan lê Descartes – é como aqui está em Freud, em “penso onde não sou, logo, sou onde não penso”, ou, com a (herética) virada Wittgensteiniana: “onde alguém não consegue falar, lá isso fala”.[12]

Essas breves escavações, reviravoltas e convulsões, essas pequenas incisões e cortes, podemos ser tentados a perguntar por que essa fala e pensamento foram deixados fora de O anti-Édipo e não tomado para fins de reterritorialização? Como Patti Smith – a favorita da dupla – uma vez proclamou: “nós o criamos, deixe tomar conta”. Assim, podemos ficar ainda tentados a acrescentar novamente à famosa lista de Deleuze e Guattari o “isso fala” e o “isso pensa” como máquinas que agem como evisceradoras do “Eu” (-função), como complicadores do ego, e perturbadoras do imaginário, mas sempre de um simbólico em que eles só podem ser uma gramática em si mesmos. Para realocar a ênfase: “há tão somente máquinas por todas as partes”.[13]

Onde o Eu está: Diagramáticas da Psique

– Redesenhando as Topografias de Freud e baseando-se em Laing

Fig. 1 [14]

Nossa linha de fuga voou pouco além de uma linha de abertura. Isso é o quanto há em Deleuze e Guattari, quão fecundo é sua multiplicidade textual, quão pouco pode ser coberto em uma tentativa tão inadequada como essa; demonstra, também, como a psicanálise se irrompe nela, como Freud rompe suas costuras. A razão para tal, poderíamos dizer, é que a psicanálise se torna (re)energizada pela esquizoanálise e reacende as máquinas de suas produções-desejantes, colocando em processo um funcionalismo orgonômico que a acelera e alimenta sua novidade, territorialidades, retornos ao seu ímpeto inicial, cuja coagulação Deleuze e Guattari farejam e caçam à cada oportunidade, e que impulsionou o Freud radical. Podemos designar esse Freud vagamente como aquele da primeira topografia, mas fazê-lo seria um desserviço às radicalidades do seu trabalho tardio que emerge apesar de rivalizar com seu conservadorismo invasor, embora também sendo um daqueles trabalhos anteriores que manteve em função das rotas que intencionalmente os direcionou.

A descrição de Deleuze e Guattari do diagrama apresentado na fig. 1 de O anti-Édipo é a seguinte:

[…] é também possível situar numa única linha a sequência dos diferentes socius, seu plano e seus grandes conjuntos; sobre cada um desses planos, uma dimensão paranoica, uma outra perversa, um tipo de posição familiar, e, em pontilhado, uma linha de fuga ou de abertura esquizoide. A grande linha chega ao Corpo sem Órgãos e aí, ou passa o muro e desemboca nos elementos moleculares onde ela devém na verdade o que já era desde o início, processo esquizofrênico, puro processo esquizofrênico de desterritorialização; ou então, ela emperra, salta, recai nas territorialidades mais miseráveis do mundo moderno, ordenando-se como simulacros dos planos precedentes, de modo a grudar-se no conjunto asilar da paranoia e da esquizofrenia como entidades clínicas, nos conjuntos ou sociedades artificiais instaurados pela perversão, no conjunto familiar das neuroses edipianas.[15]

Um desafio mais extraordinário ao establishment psiquiátrico e psicanalítico seria difícil de concatenar – agora e especialmente naquele tempo. A força revolucionária e emancipatória, e potencial dessa declaração não pode ser esquecida ou exagerada, ela nos atinge todas as vezes e em todas as releituras. As “territorialidades miseravelmente arranjadas do mundo moderno”, simulacro dos planos do corpo do dinheiro-capital, do corpo despótico, do corpo da Terra reinscrito no social como disfunções artificialmente demarcadas para serem retomadas novamente no hospício agrega: as instituições do hospital, lar, família e seus diagnósticos envolventes de neurose edípica, psicose paranóica e perversão; desterritorialização sustentada no seu devir processual e desejo produtivo só é  recodificado e clinicalizado, melancolonizado, a sua linha de fuga esmagada contra a parede das conformidades, é classificado, classe-ficado: Édipo deles, da classe dominante, esquizo nosso, do proletariado. (Deleuze e Guattari sobre a questão de classe: “a oposição está entre a classe e os fora-da-classe; […] entre os capitalistas e os esquizos, na sua intimidade fundamental no nível da descodificação e na sua hostilidade fundamental no nível da axiomática (daí a semelhança, no retrato que os socialistas do século XIX fazem do proletariado, entre este e um perfeito esquizo)”.[16]

Se R. D. Laing – justamente elogiado muitas vezes por nossos autores, mas também um psiquiatra a quem Guattari acusou de uma “aceitação de uma concepção bastante reducionista de doença mental” – vê a esquizofrenização em todos os pontos dos processos sociais e familiares (onde, de fato, é para ser encontrado), Deleuze e Guattari, de forma semelhante, estão acostumados a ver edipianização em todos os lados nas práticas psi (e está sempre no virar da próxima esquina!), enquanto eles retratam o processo esquizofrênico de desterritorialização como algo ‘puro’[17]. É isso que deveríamos ser cautelosos; mesmo em um acidente de redação, a conceituação de uma pureza acolhe a negação daquilo que seria um desvio dela de qualquer forma, mesmo se o que está não é – e, talvez por implicação, não possa – ser declarado, o que não está é, no entanto, aludido à, e aqui a deriva fica bastante endireitada…

De Laing, Deleuze e Guattari em O anti-Édipo atribuem à sua importância 

de modo que não há esquizoanálise que não mescle às suas tarefas positivas a constante tarefa destrutiva de dissolver o eu dito normal. Lawrence, Miller, depois Laing souberam mostrar isso profundamente: nem o homem nem a mulher são, seguramente, personalidades bem definidas — mas vibrações, fluxos, esquizas e “entrelaçamentos”. O eu remete a coordenadas personológicas das quais resulta, e as pessoas, por sua vez, remetem a coordenadas familiares — e veremos ao que o conjunto familiar remete, por sua vez, para produzir pessoas. A tarefa da esquizoanálise é desfazer incansavelmente os eus e seus pressupostos […].[18]

Separar eus e seus pressupostos têm muito da tradição Lacaniana e, voltando-se às topografias de Freud, veremos em que medida isso é Freudiano também (a um verdadeiro Lacaniano, claro, essas tradições são uma e a mesma). Podemos, agora, rastrear a passagem da primeira para a segunda tópica psíquica em Freud, tomando a última das representações processuais de Freud em A interpretação dos Sonhos (1899) como síntese da primeira (figura 2), e o diagrama presente no O Eu e o Id (1923) como a segunda (figura 3) (deixando de lado a versão modificada dela – como encontrada na trigésima primeira das novas conferências introdutória em psicanálise – por enquanto).[19]

 

 fig. 2

fig. 3

Colocando as diferenças entre eles de lado por um momento, o primeiro modelo topográfico representa, basicamente, o aparelho psíquico funcionalmente, enquanto o último mais estruturalmente. Freud explica o primeiro diagrama: “na extremidade sensória existe um sistema que recebe percepções [Pcpt.]; na extremidade motora está outro, que abre o caminho para a atividade motora [M.]. Processos psíquicos avançam, em geral, da extremidade perceptual para a extremidade motora”.[20] Dentro disso, “nossas percepções estão ligadas umas às outras em nossa memória [,] falamos disso como ‘associação’”.[21] “A base da associação reside no sistema mnêmico”; isto implica “a necessidade de supor a existência não de um, mas vários elementos Mnem, em que uma mesma excitação, transmitida pelos elementos Pcpt. deixam uma variedade de diferentes registros permanentes”.[22]

“Descreveremos o último dos sistemas na extremidade motora como “o pré-consciente” [Pcs.], para indicar que os processos excitatórios que ocorrem nele podem entrar na consciência sem maiores impedimentos, desde que certas outras condições sejam satisfeitas”. [23] Além disso, descreveremos o sistema que reside atrás como “o inconsciente” [Ucs.], porque não tem acesso à consciência exceto via o pré-consciente, na passagem pela qual seu processo excitatório é obrigado a se submeter a modificações”.[24]

A funcionalidade descrita e representada aqui é o território bastante familiar da psicanálise: a recepção de estímulos perceptuais, sua inscrição – e fragmentação – em traços de memória, seu tornar inconsciente, sua repressão e seu retorno (i.e., o seu devir-recalque e devir-retorno-do-recalcado) à consciência.

O inconsciente aqui assume uma posição mais discreta e elementar no aparelho do que recebe na segunda topografia, primeiro retratado em O Eu e o Id, onde “inconsciente” torna-se mais adjetivo do que substantivo dentro da descrição do aparelho estrutural. Aqui, Freud “chama a entidade que parte do sistema Pcpt. e começa sendo Pcs. o ‘ego’, e […] chama a outra parte da mente, em que essa entidade se estende e se comporta como se fosse Ics., o ‘id’”.[25] Nos círculos psicanalíticos, rapidamente se tornou bastante comum confundir o id pelo inconsciente, mas isto é explicitado por Freud como distintos (seja como entidades ou como operações, funções ou estruturas).

Francamente, então: o id é o inconsciente? Simplesmente: não, o id inconsciente. Para retornar ao que designamos de topografema da metapsicologia de Freud – como afirmado em O Inconsciente (1915) – “o inconsciente tem um compasso mais amplo”. Freud reaplica a categoria ausente de inconsciente desta primeira representação para aquela atualizada apresentada em sua trigésima primeira conferência introdutória – no processo destacando a amplitude de seu compasso – assim como acrescentando a agência do superego ao novo diagrama.[26] A questionabilidade do questionamento de Deleuze e Guattari do “erro” em dizer “o id” talvez se repita agora na seguinte questão: nossos cartógrafos psicanalíticos não mapearam muito rapidamente a primeira topografia na segunda…? Poderia ser dito que, na transição da primeira representação da segunda topografia para a segunda representação (entre O Eu e o Id e a trigésima primeira conferência), Freud sobrepõe parte da primeira topografia na segunda; embora não de forma inteiramente incongruente, mesmo que agora seja necessário pouco mais de desambiguação para chegar lá do que a representação e descrição das estruturalidades e processos que a fig. 3 nos oferece em si. 

De fato, dentro dessa representação e descrição, o ego dá um trabalho que não fica muito longe do tipo que Deleuze e Guattari o submetem, e as interações das agências dentro do inconsciente (embora dentro, em oposição a seus agenciamentos sempre já em formação com o que está além do inconsciente individual, o que pode ser mais propriamente Deleuze/ Guattariano) têm algo rizomático sobre eles. “[…] o Eu não envolve inteiramente o Id, mas apenas à medida que o sistema Pcp forma a sua superfície [do Eu], mais ou menos como o “disco germinal” se acha sobre o ovo. O Eu não é nitidamente separado do Id; conflui com este na direção inferior”.[27] Nessas passagens, a descrição de Freud no aparelho psíquico é anatômica ao enésimo grau: por exemplo, “o ego tem um ‘boné auditivo’’, ou seja, um “lobo auditivo”, representado no diagrama pela abreviação “acúst.”.[28] Surpreendentemente, Freud declara: “O Eu é sobretudo corporal, não é apenas uma entidade superficial, mas ele mesmo é a projeção de uma superfície”.[29] É claro que isso é fundamental para o Lacanismo, e para a localização do ego, e do corpo – e sua imagem (especular) – no Imaginário. Essas descrições um tanto planas da superfície do ego, e de suas combinações, inconscientemente, com o id e suas corporeidades, têm algo do sabor esquizo-estrutural do funcionamento de O anti-Édipo sobre eles, embora Freud esteja aqui certamente construindo um corpo com órgãos (mas reorganizados e conectados diferentemente uns aos outros com o corpo do organismo humano), e não um sem.[30]

Apesar de Freud não visar a redução ou diminuição objetiva do ego, como Lacan, ou a sua destruição, como Deleuze e Guattari (ele sempre mantém a sua integralidade com a estrutura psíquica), ele encontra o eu aqui com uma incredulidade, cética e, às vezes, sarcástica (semelhante a sua ridicularização anterior por xingamento, ao referir-se a ele depreciativamente em 1908 como “Sua Majestade o Eu”), direcionado para suas pretensões: a ininterrupta (e ininterpretável) grandeza e messianismo (sua sempre já condenada tentativa de estabelecer-se como um anti-Édipo). De fato, devemos nos voltar novamente, em particular, à declaração de Freud no final da trigésima primeira Novas Conferências Introdutórias sobre Psicanálise (lida tão frequentemente em termos de uma simples substituição da primeira cláusula pela segunda). “Onde o id estava, lá estará o Eu”, isto é, no id (onde deve ser encontrado, e se encontra, de 1923 em diante). [31] Freud afirma aqui, também, que “o trabalho da cultura” nos aspectos terapêuticos da psicanálise, que pode fortalecer o ego ao penetrá-lo nas profundezas do id, é uma operação “semelhante à drenagem de Zuider Zee”. Na esquizoanálise, talvez, o processo esquizofrênico de desterritorialização pode não ser diferente do eu – como corpo – se despojando dos seus órgãos.

Édipo, Cortês, o Nó Górdio e o Enigma dos Elos: Topologia Dialética

– Outra Dimensão, via Lacan

A descrição de Deleuze e Guattari de homens e mulheres como “nós” acima (oposto em qualquer sentido a personalidades) vem do interesse de Laing em estruturas enodadas que inspira o seu fino volume poético Knots, de 1971. Topologicamente, os nós são uma superfície específica em contraste com os elos. Um nó consiste de uma faixa, amarrada por meio de qualquer número de cruzamentos; elos, de qualquer número de faixas mais que uma, amarradas umas às outras através de qualquer número de cruzamentos, gerando uma única faixa desamarrada, um nó desatado, e qualquer número dessas faixas, mais de uma, juntas e não amarradas umas às outras de forma alguma, uma desvinculação (é sempre uma designação singular, apesar do número de faixas que compõe sua pluralidade). Laing não discute elos; e Lacan não discute nós… tanto quanto todo mundo pensa que ele faz.

Em grande medida ausente de O anti-Édipo, em suas ruminações sobre topologia em Mil Platôs, Deleuze e Guattari equiparam com “espaço liso (vetorial, projetivo ou topológico)”, em oposição ao “espaço estriado (métrico)”: no primeiro caso “ocupa-se o espaço sem medi-lo”, e no segundo caso “mede-se o espaço a fim de ocupá-lo”.[32] Essa é uma boa definição de trabalho das diferenças entre espaços topológicos e métricos. No entanto, esses autores são mais atraídos por “uma topologia extraordinariamente fina, que não repousa sobre pontos ou objetos, mas sobre hecceidades, sobre conjuntos de correlações (ventos, ondulações da neve ou da areia, canto da areia ou estalidos do gelo, qualidades tácteis de ambos)” do que a investigação topológica dos nós e elos, mas é para esse território que Lacan se voltou na sua obra tardia, e é com ele que iremos agora nos lançar em um terreno que adiciona uma dimensão extra aos mundos 2-D da topografia, para ver o que pode acrescentar às ideias de subjetivação e (esquizo)estrutura nesse desvio.[33]

Para começar, tomaremos como nossa porta de entrada a extraordinária conceituação da “topologia dialética” que Alain Badiou apresenta no texto co-autoral de comentário de 1978, The Rational Kernel of the Hegelian Dialectic (por mais ofensivo aos gostos Deleuzianos que isso possa ser), que ligará essa seção (o estudo da superfície) e a nossa última deste ensaio (estudo do político): 

A classe trabalhadora é, ao mesmo tempo, uma parte interna da sociedade capitalista (como força produtiva explorada) e uma força heterogênea para esta sociedade, transmitindo essencialmente nada além de sua destruição (na medida em que é a classe política revolucionária). Do ponto de vista da dividida unidade da classe, nem inclusão estrita, nem exclusão absoluta é sustentável. Na realidade, a própria existência do proletariado impede o pensamento do ‘sistema’ capitalista como uma totalidade pertinente dotada de um dentro e um fora. […] A falta de um exterior não significa um constrangimento intransponível no interior (recuperação) mais do que existiria no interior. 

No terreno comum (Hegeliano) da topologia dialética que destrói a oposição representativa do interior/exterior, necessitamos opor o sujeito-cortado [sujet-coupure], para qual a falta é a causa fixa, pelo sujeito-dividido do materialismo dialético, para o qual a desorganização da força e do lugar é uma causa móvel.[34]

Essa afinada descrição Marxista do proletariado como “a classe que nada transmite além da sua destruição” – devido à sua posição revolucionária e politicamente situada – fala muito sobre a tarefa destrutiva da esquizoanálise como sublinhada acima por Deleuze e Guattari, assim como as cartografias esquizoanalíticas do processo de desterritorialização à “unidade dividida” da situação topológica de classe de Badiou. O que o próprio Badiou deriva disso é uma “topologia dialética”, que expande além da subjetiva “causa fixa” da falta de Lacan para o terreno materialista de uma “causa móvel” surgindo da “desorganização da força e do lugar”. É por meio da sugestão, ou introdução de tal maleabilidade (para a qual Lacan lentamente estava se dirigindo, antes de sua interrupção e da dissolução de sua escola), combinada com a posterior insistência de Badiou na subtração (novamente colhida de Lacan), que podemos reconfigurar alguns dos desenvolvimentos da ligação Borromeana.  

E devemos insistir: não é um nó. Quanto antes o Lacanismo abandonar a sua nomeação incorreta bem catexizada, mais chance teremos. O próprio Lacan em 26 de Janeiro de 1976 desistiu disso.[35] Como Alexander, ele cortou o nó Górdio para desatá-lo – mais e mais vistoso se tornou desde que esse manto não foi assumido – como Édipo, ele eventualmente resolveu seu enigma, dos elos, embora alguns dos subsequentes topólogos da igreja tenham sido cautelosos em alterar a vulgata. 

Evidentemente, isso não é para ser um contundente exercício de pedantismo, uma advertência do establishment topológico; uma reprimenda ao uso de uma palavra, o que é adorável, afinal; ou um leigo curvando-se aos árbitros morais e pretensiosos da cientificidade ou matematicidade, que enganam e persuadem “hoax and coax”[36], com impostura ineficaz. É simplesmente que (e eu digo isso como um Lacaniano clínico), na “Clínica Borromeana”, como às vezes é chamada, nos aproximamos de falar em um registro da teoria – e sobre a teoria – que “tem efeitos”. Isso não quer dizer contenciosamente que estamos praticamente aplicando psicanálise à essa clínica, ou insistir que o façamos; é simplesmente dizer: nossa teoria; bem, tem efeitos. E, portanto, não é para insistir, ou postular, o que pode uma palavra fazer ou desfazer para alguma coisa (e o que esse fazer ou desfazer faz ou não faz em si); isto é, não é para postular o não do “Nó”. Pelo contrário, é para reposicionar o nó, e situar o elo: desbloquear uma pequena passagem, para fazer um pequeno avanço, para retomar uma heurística, um pouco: uma causa modesta, talvez, para pensar; e uma pausa humilde, em ação. Uma vez que o nó pode se tornar como uma madeira que não podemos ver pelos elos que são como árvores. 

Assim, partiremos agora de um nó para chegar no elo, e de uma topologia Moebial até uma topologia Borromeana. Tomemos o nó com a notação 9 de Rolfsen (estritamente falando, o que usamos aqui é a versão quiral do que aparece na tabela de Dale Rolfsen) (fig. 5) – isso é um nó com nove pontos de cruzamento (através dos quais a faixa é feita de laços por cima ou por baixo) – manobrado por meio de uma série de movimentos de Reidemeister em sua forma fusiforme (fig. 6).[37]

     Fig. 5

Fig. 6

Podemos agora imaginar a criação desse nó a partir de uma banda de Moebius de 15 meias-voltas como na figura 7, em que as meias-voltas [38] são contadas em uma sequência tal que as últimas três voltas, cronologicamente, 13 a 15, se aglutinam em torno do núcleo do nó. Ao todo, então, apresenta-se uma superfície não orientável; no meio de cada, uma banda de Moebius de três meias-voltas se torna isolável, que, se isoladas e removidas da estrutura – cortadas no pontos A, B e C como na figura 8 (que remove as voltas dos números 13 à 15, aqui apagadas no diagrama, restando 12 meios-giros na estrutura) – envolve três faixas cortadas com as pontas de cada que tocam as pontas correspondentes; se elas estiverem conectadas entre si, a estrutura se liga a três faixas (cada uma de 4 meias-voltas, na verdade cancelando-se umas às outras por remover a propriedade da banda de Moebius) como o elo Borromeano que subsiste (como a dialética mesma) especificamente sobre sua tripartite.[39]

Fig. 7                                           Fig. 8                                                          Fig. 9

Podemos, agora, configurar uma conceitualização de subjetivação, possibilitada por essa separação de três estágios consecutivos de um fenômeno não-sequencial, “geral” (em oposição a “processual”), indicado pelo primeiro, segundo e terceiro estágios das figuras 7, 8 e 9. Em sua discussão de anti-personológica que listam – “vibrações, fluxos, esquizas e ‘nós’” – Deleuze e Guattari passam a afirmar que o (re)torno de um homem ou uma mulher a esses estágios levariam a “libertar as singularidades pré-personais que eles encerram e recalcam” e à mobilizam de seus fluxos.[40] Algo bem diferente ocorre se seguirmos a linha lacaniana dessa topologia dialética que aqui destacamos, pois descobrimos uma teoria edípica que se apresenta não tanto como uma teoria negativista psicanaliticamente afirmada e clinicamente confirmada – que Deleuze e Guattari tomam como (e com razão destacar como sendo tomada pela maioria do establishment psicanalítico, em eterna recorrência), e se ofendem – mas, como uma teoria da negação que opera mais do modo de conceitualização da negação da negação de G. W. F. Hegel (com desculpas de novo por essa referência implacável):

Uma determinação como a negação […] é introduzida apenas pelo negativo, não pelo positivo.

E então –a multiplicado por –a também é +a2, porque o negativo a deve ser considerado não apenas da maneira oposta (nesse caso, teria que ser multiplicado por –a), mas porque deve ser tomado negativamente. Mas a negação da negação é o positivo.[41]

Como sempre a negação, por suas posicionalidades próprias, a subtração de das Ding’s (fig. 7) através do corte (fig. 8) é – ou se torna – sua negação da negação ou, o que podemos cunhar via Hegel, de sua positivação, resultando na (fig. 9) como ao mesmo tempo o objeto (causa) do desejo e significante da falta. Assim, se postularmos o Nó Moebiano como um pedaço do real, ele deve ser imediatamente imaginarisado (territorializado) – pois o real não pode deixar de ser metaforizado para que possamos abordá-lo de todo  – como um reino de gozo fusional e borbulhante, balbuciando lalíngua; seus fluxos e rupturas e intensidades esquizas maravilhosas, mas alojada em um plano Moebial solipsístico de consistência, oscilando em torno do Ding (eminentemente) inacessível, “a Coisa”, que é na verdade o ur-bjeto[42] de Freud, sempre impenetrável, aparentemente inerte e nunca compreensível (conforme ilustrado na figura 7). Obviamente, isso não é de forma alguma uma maneira de sugerir que o que encontramos aqui é o reino da psicose (“em si”, ou assumindo a forma de um de seus “dialetos”), pois esse nó Moebial é a-subjetivo, é sem desejo, um elemento que é adicionado a ele por subtração. Podemos descrever o momento sem-momento do corte (uma inauguração atemporal do inconsciente, que é sempre fora do tempo, como Freud o entende) como o pré-subjetivo, uma instantaneidade que não permanece, enquanto o pré-pessoal – que Deleuze e Guattari designaram como “bem abaixo das condições de identidade” (condições que estariam no Imaginário para Lacan) – é o que esse não-momento poderia a vir ser sustentado (por meio das desterritorializações). 

Nesse devir-elo, então, Édipo e castração podem ser vistos coincidindo (desejo e produção, também), enquanto sua separação em complexos discretos é o resultado processual da subjetivação geral (como o objeto que falta e o objeto-desejado são aqui do mesmo modo). [43] Assim, a subjetivação processual é estimulada pela interrupção do a, em torno do qual três anéis – o Real (R), o Imaginário (I) e o Simbólico (S) – (constitutivo e elementar do inconsciente) emergem, por amarrar três vezes de ponta a ponta, e oscilam; animado por ele, mas condenados a nunca alcançá-lo, assim como não podem das Ding, e como não podem reter o não-momento (traumático) do corte. É esse não-momento que nossas coordenadas subjetivas contam com a re-amarração das três faixas soltas (sequenciada no segundo estágio processual, figura 8), em qualquer amarração, determinando a “escolha” da estrutura psíquica: neurótica, psicótica ou perversa (se pensamos as estruturas Freudianas propriamente oscilatórias e não hierárquicas) (Lacan sugere uma ligação direta do R e do S na psicose, por exemplo).

Se, como dissemos anteriormente, o nó Moebial fusiforme não tem a ver com qualquer noção patologizante da psicose, é então citado aqui para enfatizar a necessidade do corte, para qualquer subjetivação; da subtração, para qualquer ontologia. A linha de fuga topológica oferece não apenas teorias da negação e da falta, que certamente eram anátemas para Deleuze e Guattari pelo acesso à outra dimensão, mas também a teoria dos elos, para além da [teoria] dos nós, que pode ser não somente de interesse para a esquizoanálise, mas que poderia servir para desamarrar alguns dos embaraços que há tempo assombraram o Lacanismo. 

É de se perguntar se essa configuração geral/processual do devir-elo do nó é mais psicanalítica ou esquizoanalítica, ou se ela reside em algum lugar no meio. Enquanto esta será uma questão deixada sem resposta aqui, podemos dar uma coda na forma de uma passagem do final do capítulo “Introdução à esquizoanálise” que encerra O anti-Édipo:

Vimos como a tarefa negativa da esquizoanálise devia ser violenta, brutal: desfamiliarizar, desedipianizar, descastrar, desfalicizar, destruir teatro, sonho e fantasma, descodificar, desterritorializar — uma espantosa curetagem, uma atividade maldosa. Mas trata-se de fazer tudo ao mesmo tempo, pois é ao mesmo tempo que o processo se liberta, processo da produção desejante seguindo suas linhas de fuga moleculares que já definem a tarefa mecânica do esquizoanalista.[44]

Projeto para uma Esquizologia Política

– Anticapitalismo de Deleuze e Guattari

Consideremos por um instante as motivações que levam alguém a deixar-se psicanalisar: trata-se de uma situação de dependência econômica devinda insuportável ao desejo, ou cheia de conflitos para o investimento de desejo. O psicanalista, que diz tantas coisas acerca da necessidade do dinheiro na cura, mantém-se soberbamente indiferente à questão: quem paga? Por exemplo, a análise revela os conflitos inconscientes de uma mulher com seu marido, mas é o marido que paga a análise da mulher. Não é esta a única vez que reencontramos a dualidade do dinheiro, como estrutura de financiamento externo e como meio de pagamento interno, com a “dissimulação” objetiva que ela comporta, essencial ao sistema capitalista. Mas é interessante encontrar esta essencial dissimulação, miniaturizada, pavoneando-se no consultório do analista.[45]

Reverência para essa “dissimulação” poderiam, sem dúvida, ser encontradas entre tantos psicanalistas extremamente indiferentes, mas Freud não pode ser contado entre essas listas. Escondido em lugares no decorrer de sua obra, Freud destaca a necessidade de uma “psicoterapia para as pessoas” gratuita (de custos), e o estabelecimento de centros para essa disseminação, e tem plena consciência da diferença que faz saber as motivações que levam alguém a psicanálise, e de onde o dinheiro está vindo. [46] Peguem essa passagem de A Psicogênese de um caso de Homossexualidade feminina (1920), que habilmente toca nessa “dualidade do dinheiro” – sua operação como “moeda emocional”, assim como colocou Anca Carrington; e as operações de moeda emocional de insistência e de suporte financeiro – que Deleuze e Guattari atestam (embora isso de forma alguma invalide as críticas supremamente apontadas, que cada vez mais se aplica à tantos): 

Situações como a do proprietário que encomenda ao arquiteto uma mansão conforme seu gosto e suas necessidades, ou a do patrocinador devoto que solicita ao pintor um quadro de tema sagrado, num canto do qual se veja ele próprio em adoração, não são realmente compatíveis com as exigências da psicanálise. Sempre ocorre que um marido procure o médico com a seguinte instrução: “Minha mulher está nervosa, por isso relaciona-se mal comigo; devolva-lhe a saúde, para que o nosso casamento volte a ser feliz”. Mas frequentemente se verifica que tal solicitação é irrealizável, isto é, que o médico não pode produzir o resultado em vista do qual o homem queria o tratamento. Logo que a mulher se livra de suas inibições neuróticas, resolve acabar o matrimônio, que se mantinha apenas com a premissa de sua neurose. Sucede também que um casal de pais deseje que se cure o filho nervoso e desobediente. Para eles, um filho saudável é aquele que não lhes cria problemas e que pode lhes dar alegrias. O médico talvez obtenha a cura desse filho, mas após o restabelecimento ele toma seu próprio caminho com maior decisão, e os pais ficam mais insatisfeitos do que antes. Em suma, não é algo indiferente que uma pessoa busque a análise por iniciativa própria ou que outros a conduzam a ela, que a pessoa mesma deseje a sua mudança ou apenas os parentes que a amam, ou dos quais se espera tal amor.[46]

Analistas radicais em ambos os campos psicanalíticos – e esquizoanalíticos podem ser encorajados a interrogarem-se em que moedas seus pacientes pagam, monetariamente, e familiar-emocionalmente: as circulações de capital que fluem através do paciente, as marcas do tesouro primário que o sujeito pode ter-se enrijecido em, pois – como Karl Marx coloca no segundo volume do Capital – ‘é na forma de um tesouro que existe qualquer dinheiro cuja circulação é interrompida’.[47]

Em Deleuze e Guattari, desejo por revolução e desejo revolucionário se encontram e se tornam um, como em politilibido, uma energética e economia da produção-desejante. [48] Dentro do socii e habiti do Capitalismo Mundial Integrado, o próprio Guattari estava colocando isso em prática: ao conectar a sua máquina-La Borde ao agenciamento-psi, suas multiplicidades foram esquizoides, seus planos imanentemente interrompidos, os ritmos da comuna – barricadências – a rima das estruturas das pessoas que servem – rizometria – as melodias da desterritorialização – a quarta peça de plano de Sylvano Bussoti – ecoa. A música deles ainda pode ser ouvida.

Através desses desvios, nossa carruagem nômade retorna trazendo em seu pequeno carregamento – e rudemente transmitido a um resistente anti-Édipo – a negação da negação e a necessidade do terceiro para a dialética. Pois, na verdade, como no caso de Pessoa (a mesma palavra em português para “Pessoa”), devir-Alberto Caeiro implicava devir-Álvaro de Campos e devir-Ricardo Reis. Contra – e em confirmação a – Caeiro, as coisas somente são o que são ao tornarem-se outras. 


Tradução realizada por Aline Rubin. Contribuições de Anderson Santos.

Nota da Tradutora [N.T]: Para algumas traduções de citações direta, foram utilizadas obras já publicadas em português.


Daniel Bristow é psicanalista, completou sua formação na Philadelphia Association em Londres, Reino Unido. Ele é membro da Academy of Psychoanalysis; trabalha com os serviços: Freedom from Fear to Love e Outcome, que oferecem terapia gratuita para pessoas em busca de abrigo e refugiados LGBTQ+; o Psychosis Therapy Project; e está assumindo um cargo na Red Clinic. É autor de Joyce and Lacan: Reading, Writing, and Psychoanalysis (2016), 2001: A Space Odyssey and Lacanian Psychoanalytic Theory (2018), e Schizostructuralism: Divisions in Structure, Surface, Temporality, Class (2021). Co-dirige a editora radical 1968 Press.


NOTAS

  1. Para dois bons e recentes estudos sobre Deleuze e Guattari – com ênfase especificamente no último – à respeito dos seus radicalismos e das diferenças e similaridades entre psicanálise e esquizoanálise, ver: Ian Parker, ‘Guattari and Us’, Free Associations: Psychoanalysis and Culture, Media Groups, Politics, 83 (2021), https://freeassociations.org.uk/FA_New/OJS/index.php/fa/article/view/401 ; e Hannah Proctor, ‘Daddy Issues: Guattari on Laing’, Unconsciousness Raising, 2021: https://hhnnccnnll.substack.com/p/daddy-issues .
  2. FREUD, Sigmund. An Autobiographical Study [1925] em The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud, Volume XX (1925-1926): An Autobiographical Study, Inhibitions, Symptoms and Anxiety, and Other Works, 24 vols. (London: Vintage, 2001) XX, p. 60. Aqui, a standard edition será referida como SE, seguida do volume e do número da página. 
  3. Ver a versão publicada da tese de doutorado de Lacan para referência ao trabalho co-autoral intitulado: ‘Écrits inspirés: Schizographie’ [1931]: Jacques Lacan, De la psychose paranoïaque dans ses rapports avec la personalité [1932] (Paris: Éditions du Seuil, 1975) p.56, n.2.
  4. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix (1972). O anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia. Trad. Luiz B. L. Orlandi. São Paulo: Ed. 34, 2011, p. 11. 
  5. Da lemela – que ele descreve como ‘algo de extrachato que se desloca como a ameba’ – Lacan declara que “é o que é justamente subtraído ao ser vivo pelo fato de ele ser submetido ao ciclo da reprodução sexuada. E é disso aí que são os representantes, os equivalentes, todas as formas que se podem enumerar do objeto a”. Cf. JACQUES, Lacan. O Seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da Psicanálise [1964], ed. por Jacques-Alain Miller, trad. Alan Sheridan (New York: W. W. Norton, 1981) pp. 197-198. Deleuze e Guattari retomam a lamela em Mil Platôs, definindo como “[…] a distribuição da matéria em fatias paralelas, o escoamento lamelar ou laminar do que é fluxo. Essas verticais paralelas formaram uma dimensão independente, capaz de se transmitir a toda parte, de formalizar todas as demais dimensões […]”. Cf. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix (1980). Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol. 5. Trad. Peter Pál Pelbart e Janice Caiafa. São Paulo: Editora 34, 2012, p. 24. 
  6. FREUD, Sigmund. Eu e o Id, “Autobiografia” e outros textos (1923-1925); tradução Paulo César de Souza – São Paulo:  Companhia das Letras, 2010, p. 15.
  7. FREUD, Sigmund. The Unconscious [1915], trad. C. M. Baines et. al., SE, XIV, p.166; e Fernando Pessoa [Alberto Caeiro], ‘47 On an incredibly clear day’ [1914], em Fernando Pessoa & Co.: Selected Poems, ed. e trad. por Richard Zenith (New York: Grove Press, 1998) p.65. A descrição da filosofia de Caeiro vem de uma breve biografia do poeta encontrada no início da biografia magistral de Fernando Pessoa de Richard Zenith (a autoridade da língua Inglesa em Pessoa), ver: Richard Zenith, Pessoa: An Experimental Life (London: Allen Lane, 2021) p.8. Ver o restante do ‘Dramatis Personae’ (pp. 7-14) para minibiografias de todos os maiores e menores heterônimos. 
  8. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. What is Philosophy? [1991], traduzido por Hugh Tomlinson e Graham Burchill (London: Verso, 1994), p.167.
  9. Cf. BALSO, Judith. Pessoa, The Metaphysical Courier [2006], trad. por Drew Burk (New York: Atropos, 2011) e Alain Badiou, ‘The Age of the Poets’, em The Age of the Poets and Other Writings on Twentieth-Century Poetry and Prose, ed. e trad. por Bruno Bosteels (London: Verso, 2014).
  10. Nota de Tradução [N.T]: Decidiu-se aqui manter a palavra “ego”, como no original, ao invés de “eu”, mantendo a diferenciação entre Eu, com letra maiúscula (Ich ou je na teoria lacaniana) e ego (ou eu em algumas traduções em português e moi na teoria lacaniana). 
  11. FREUD, Sigmund. Eu e o Id, “Autobiografia” e outros textos (1923-1925); tradução Paulo César de Souza – São Paulo:  Companhia das Letras, 2010, pp. 286-97.
  12. Cf. Jacques Lacan, ‘The Instance of the Letter in the Unconscious, or Reason Since Freud’ [1957], em Écrits: The First Complete Edition in English [1966], trad. Bruce Fink, em colaboração com Hélöise Fink and Russell Grigg (New York: W. W. Norton, 2006) p.430.
  13. N.T.: Em inglês o autor faz a seguinte diferença nesta sentença: ‘everywhere it is machines’ e em nota de rodapé diz que essa frase se lê em O anti-Édipo (versão inglesa) comoeverywhere it is machines’ (p. 1).
  14. N.T.: Tradução nossa.
  15. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix (1972). O anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia. Trad. Luiz B. L. Orlandi. São Paulo: Ed. 34, 2011, p. 336. – o diagrama é apresentado na página anterior.
  16. Ibidem, p. 338.
  17. GUATTARI, Félix. La Borde: A Clinic Unlike Any Other. Em Chaosophy: Texts and Interviews, 1972-1977, traduzido por David L. Sweet, Jarred Becker, e Taylor Adkins (South Pasadena: Semiotext(e), 2009) p.185. Ver também a apreciação crítica de Laing no mesmo volume, Guattari, ‘Laing Divided’, pp.124-128, que termina com a questão cautelosa, posta no movimento de Laing no misticismo: ‘é possível hoje, ao lidar com a loucura, ignorar as contribuições de Freud e Lacan? Pode alguém encontrar refúgio em um saber personalístico e místico sem tornar o inconsciente prisioneiro de ideologias que tem a missão de reprimir o desejo em todas as suas formas? Vamos torcer para que Laing, que tem se distinguido de uma forma admirável do papel tradicional da psiquiatria, retorne a uma luta concreta contra a opressão sofrida por pacientes psiquiátricos, e que traga uma definição mais rigorosa para as condições de uma prática psiquiátrica revolucionária, ou seja, uma psiquiatria não utopia que pode ser assumida de uma forma massiva pelos trabalhadores da saúde mental vanguardistas e pelos próprios pacientes’’ (p.128). 
  18. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix (1972). O anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia. Trad. Luiz B. L. Orlandi. São Paulo: Ed. 34, 2011, p. 480. 
  19. Cf. FREUD, Sigmund. The Interpretation of Dreams [1899], trad. por James Strachey, SE, V, p.541 (isso é precedido por uma importante carta de Freud a Wilhelm Fliess em 1896; cf. Sigmund Freud, ‘Letter 52 (December 6, 1896), SE, I, pp.233-239); Freud, The Ego and the Id, p. 24; e Sigmund Freud, New Introductory Lectures on Psycho-Analysis [1933], trad. por James Strachey, SE, XXII, p.78.
  20. FREUD, Sigmund, The Interpretation of Dreams, p. 537.
  21. Ibidem, p. 539.
  22. Ibidem.
  23. Ibidem, p. 541.
  24. Ibidem.
  25. FREUD, Sigmund. Eu e o Id, “Autobiografia” e outros textos (1923-1925); tradução Paulo César de Souza – São Paulo:  Companhia das Letras, 2010, p. 23.
  26. Vamos agora mostrar esse diagrama, como está em Freud, New Introductory Lectures, p.78 (fig. 4)
  27. FREUD, Sigmund. Eu e o Id, “Autobiografia” e outros textos (1923-1925); trad. Paulo César de Souza – São Paulo:  Companhia das Letras, 2010, p. 22. 
  28. Ibidem.
  29. Ibidem, p. 24.
  30. Sobre a ideia de ‘esquizo-estrutura’ ver meu livro Schizostructuralism: Divisions in Structure, Surface, Temporality, Class (Abingdon: Routledge, 2021).
  31. Cf. FREUD, Sigmund Freud. Creative Writers and Day-Dreaming [1908], trad. por I. F. Grant Duff, SE, IX, p.150; e Freud, New Introductory Lectures on Psycho-Analysis, p.80.
  32. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix (1980). Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol. 5. Trad. Peter Pál Pelbart e Janice Caiafa. São Paulo: Editora 34, 2012, p. 26. Em uma nota de rodapé os autores dizem utilizar aqui uma distinção espacial feita pelo compositor Pierre Boulez, em Boulez on Music Today, trad. por Susan Bradshaw e Richard Bennett (Cambridge, MA: Harvard University Press, 1971) p.85.
  33. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix (1980). Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol. 5. Trad. Peter Pál Pelbart e Janice Caiafa. São Paulo: Editora 34, 2012, p. 45.
  34. Alain Badiou, Joël Bellassen e Louis Mossot, ‘Commentary to ‘The Rational Kernel of Hegel’s Philosophy’’, em BADIOU, Alain, The Rational Kernel of the Hegelian Dialectic: Translations, Introductions and Commentary on a Text by Zhang Shiying [1978] (Melbourne: Repress, 2011), p.59. Tradução nossa.
  35. Como explica Adrian Price: ‘no decorrer das primeiras três lições desse seminário [XXIII], Lacan frequentemente usa os termos nœud e nœud borroméen inadequadamente, referindo-se a ligações de três ou quatro componentes. Da quarta lição em diante, ele retifica seu vocabulário, trocando para chaîne e chaîne borroméenne, enquanto reserva o termo nœud (com algumas exceções) para o componente único nós.’ Ver Adrian Price, ‘Note 7 to Chapter 1’, em Jacques Lacan, The Seminar of Jacques Lacan, Book XXIII: The Sinthome, ed. de Jacques-Alain Miller, trad. A. R. Price (Cambridge: Polity, 2016) p.222.
  36. Em inglês, essas palavras são ‘hoax and coax’ e foram usadas aqui, junto com um ouvido para a rima, para fazer referência implícita ao chamado ‘caso Sokal’, no qual, em 1996, o professor de matemática Alan Sokal fez uso de um artigo pegadinha – que foi publicado no jornal Social Text – em uma tentativa de descreditar a “teoria pós-moderna”. No livro spin-off dele e de Jean Bricmont, conhecido como Intellectual Impostures (Imposturas Intelectuais) no Reino Unido, os autores visam Deleuze e Guattari – entre uma série de outros – e tentam ‘persuadir’ (ou levar) os pretendidos leitores para longe do que eles caracterizam como ‘impostura intelectual’ (portanto, há um outro jogo em inglês na ressonância com o termo ‘ineffectual imposture’ (‘impostura ineficaz) que encerra esta frase); Jacques Derrida descartou a conivência original simplesmente como uma “piada prática rápida”.
  37. Cf. ROLFSEN, Dale. Knots and Links [1976] (Providence: American Mathematical Society, 2003) p.398. Para uma explicação dos movimentos de Reidemeister moves, cf. ADAMS, C., Colin C. The Knot Book: An Elementary Introduction to the Mathematical Theory of Knots [1994] (Providence: American Mathematical Society, 2004) p. 13.
  38. Cf. o apêndice do meu livro Schizostructuralism: Divisions in Structure, Surface, Temporality, Class (2021, ed. Routledge) para a determinação inicial de uma versão de engenharia reversa do processo aqui descrito.
  39. Um pouco de informação adicional é fornecida aqui para auxiliar o leitor a respeito das propriedades dessas construções. Em primeiro lugar, as meia-voltas (numeradas de 1-15 na figura 7) mostram onde, se um ponto atravessasse a faixa, ficaria ‘virado’ no seu avesso (estritamente falando, contudo, isso não o coloca do ‘outro lado’ da faixa, pois a faixa só tem um lado, logo, uma vez que todas as meias-voltas foram viradas do ponto de deslocamento, volta-se ao seu lugar de partida, sem ter cruzado um lado: isso é facilmente demonstrável construindo uma única meia-volta de banda de Moebius com uma faixa de papel e traçando uma linha linearmente na sua extensão, que volta ao seu lugar de partida sem cruzar uma borda). Essas meias-voltas podem também ser representadas bidimensionalmente por meio do que eu chamo de pontos de achatamento. Eles mostram o que resulta se alguém achata uma faixa – construída de papel ou fita – em sua forma mais simples. Além de contar meias-voltas (números ímpares resultam em bandas de Moebius), pontos de achatamento são úteis também para determinar as propriedades das faixas, observando os modos nos quais as bandas se dobram sobre si mesmas. Por exemplo, a banda resultante na figura 8 tem pontos de achatamento que demonstram as propriedades normais de desatamento quando isoladas unicamente (e se suas pontas estão coladas): ou seja, se elas fossem feitas de tiras de papel, elas desdobrariam para ficar em suas bordas como faixas singulares de dois lados. Apenas uma pareceria como a representação na figura 10, em termos de pontos de achatamento (o que também poderia ser usado para redesenhar as superfícies inteiras nas figuras 7 a 9, se alguém assim desejasse).

    Fig. 10

    Também de interesse, nesse ponto, seriam os resultados do que arriscamos chamar os componentes constituintes ou operações topológicas elementares. Isso sugere que nós complicados (e elos) são feitos de (vários) componentes mais simples (faixas, nós e elos, em várias combinações) que podem ser extraídas por meio de processos de subtração; e que esses processos diferem uns dos outros baseados na organização espacial do nó envolvido. Por exemplo, tirando a faixa de Moebius de três meia-voltas do meio do nó de Rolfsen 940 em formação fusiforme na figura 8 (e recolocando as pontas soltas nos seus correspondentes mais próximos), somos deixados com a dita banda de Moebius e um elo borromeano. Contudo, se nos aplicarmos tal subtração ao nó Rolfsen 940, como organizada na figura 5, podemos remover o elo de Whitehead (Rolfsen 521 ) do meio e ficar com um desatamento dos elementos remanescentes. 

  40. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix (1972). O anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia. Trad. Luiz B. L. Orlandi. São Paulo: Ed. 34, 2011, p. 480.
  41. HEGEL, G. W. F. Science of Logic [1812], trad. por A. V. Miller (Abingdon: Routledge, 2010) p. 431.
  42. N.T.: para um melhor entendimento deste conceito, sugerimos a leitura de uma extensa e precisa nota de rodapé de O anti-Édipo, pp. 287-288, realizada pelo tradutor Luiz B. L. Orlandi.
  43. A coincidência do Édipo e a castração aqui sugere como o Édipo pode ser positivo e negativo ao mesmo tempo; como resultado da negação da negação, assume seu aspecto positivo (ou seja, resultado +a de –a x –a) ao passo que, se não resultou disso (no fracasso do complexo de Édipo em se estabelecer, do qual Freud sempre foi sintonizado), ele ainda pode vir a ser colocado em questão. A leitura de Lacan do caso do Pequeno Dick de Melanie Klein é exemplar aqui, onde ele demonstra como Klein – ao invés de descobrir- de fato impõe o Édipo a criança por meio das analogias do trem de brinquedo. Ver The Seminar of Jacques Lacan, Book I: Freud’s Papers on Technique, 1953-1954, ed. por Jacques-Alain Miller, trad. por John Forrester (New York: W. W. Norton, 1991) p. 68.
  44. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix (1972). O anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia. Trad. Luiz B. L. Orlandi. São Paulo: Ed. 34, 2011, pp. 505-506.
  45. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix (1972). O anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia. Trad. Luiz B. L. Orlandi. São Paulo: Ed. 34, 2011, p. 473.
  46. Para uma pesquisa histórica dessas chamadas para terapia financeiramente acessíveis – na parte de Freud e outros primeiros analistas socialmente orientados – e o que eles abriram socioterapeuticamente ver Daniel Bristow e Jaice Sara Titus, ‘Towards a Political Psychology: Historical Materialism and Psychoanalysis’, Awry: Journal of Critical Psychology, 2, 2021.
  47. FREUD, Sigmund (1920). Sobre a psicogênese de um caso de homossexualidade feminina. Em Psicologia das massas e análise do Eu e outros textos (1920-1923); trad. Paulo César de Souza – São Paulo:  Companhia das Letras, 2011. v.15, pp. 105-6.
  48. MARX, Karl. Capital: A Critique of Political Economy, Volume 2 [1885], trad. David Fernbach, 3 vols. (London: Penguin Classics, 1990) II, p.146.
  49. ‘Oposto a Reich, esquizoanalistas não fazem distinção em natureza entre economia política e economia libidinal’ Deleuze e Guattari escrevem em O anti-Édipo, p.416. Infelizmente, Wilhelm Reich teve que ser deixado de fora desse ensaio, contudo, na questão de unificação- separatoriedade dos domínios da política e da libido não há voz mais saliente que o primeiro momento de Reich. 


FONTE

Texto publicado no livro “Psicanálise e Esquizoanálise: diferença e composição” (org. Anderson Santos, 2022, n-1 edições)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima