PSICANÁLISE E ESQUIZOANÁLISE: passado, presente, futuros e destinos… [título criado por Anderson Santos]
“Prova maior ainda do acerto da decisão de Guattari e Deleuze de atribuírem outro nome a esse dispositivo é o fato de que a ativação dessa potência de resistência ao regime de inconsciente dominante, como aqui já relatado, não tem acontecido apenas no âmbito da psicanálise; ela encontra fortes ressonâncias nos mencionados movimentos sociais de um novo tipo que agregam a esfera micropolítica a seu ativismo.
Nesses movimentos ganha fôlego a atualização de futuros virtuais que apenas começava a esboçar-se na época em que Guattari e Deleuze escreveram sua obra e que eles souberam captar e nomear à sua maneira, participando assim da construção deste futuro que já é nosso presente (embora em vias de construção e restrito a certos setores da sociedade). Evidentemente, tais movimentos não têm necessariamente estes autores entre suas referências, mas sem dúvida compartilham com eles uma exigência que o ar do tempo nos impõe (exigência para cujo enfrentamento são distintas as gramáticas, em função do lugar que se ocupa na cartografia social dominante).
Por outro lado, entretanto, é também inegável que o termo esquizoanálise teve um destino oposto, como acontece inevitavelmente com conceitos que trazem uma potência de transformação. Como já aqui abordado, é comum o termo esquizoanálise ser assumido por terapeutas como um novo conceito genérico, nome do discurso de um novo mestre que estes consomem como fetiche, na esperança de acumular capital narcísico.
O termo ganha assim a função de um novo operador de sobrecodificação que o espírito adota, em substituição a outros, o que perpetua sua separação daquilo que a vida nos exige, por estar impedido de exercer-se ativamente como saber-do-afeto na condução do desejo. Isso contribui para manter tais terapeutas (e, consequentemente, aqueles que chegam a seus consultórios) dissociados de seus trans-outros latentes, entregues à normopatia da neurose estrutural.
A fetichização da esquizoanálise mobiliza nesses indivíduos a sensação de pertencimento a uma Sociedade (para não dizer seita), portadora da verdade universal repaginada na Paris contemporânea (agora, aliás, já não tão contemporânea), que eles exibem como credencial que lhes daria acesso aos escalões superiores da hierarquia imaginária que intoxica as relações sociais.
Estabelecer este tipo de identificação acrítica com a esquizoanálise, esvaziada de sua alma, constitui mais uma das infinitas artimanhas para esquivar-se do trabalho complexo e sutil necessário para livrar-se da neurose estrutural, o que é próprio de sujeitos que se mantêm obstinadamente sob o domínio do regime de inconsciente colonial-racial-patriarcal-capitalista.
Pouco importa este triste destino do termo esquizoanálise, como de outros conceitos da dupla G&D, assim como dos conceitos de outros pensadores com igual força insurrecional, cuja alma se tentou igualmente descartar para neutralizá-los. Não se trata de agarrar-se a este nome como se dele dependesse a possibilidade de ativar a potência micropolítica do trabalho com o inconsciente, para o qual ele foi concebido nos anos 1970 e 1980.
O que importa é seguir exercendo tal potência e, sempre e quando necessário, atribuir a esse exercício outros nomes que transmitam essa potência com poder de contágio (como acima referido, esta é uma decisão estratégica que se dá em função do contexto).”
Leia o texto completo no livro: “PSICANÁLISE E ESQUIZOANÁLISE: DIFERENÇA E COMPOSIÇÃO” (org. Anderson Santos, n-1 edições, 2022).
Leia a parte 1: “Psicanálise e/ou Esquizoanálise? Alma, Nomeações e Falsos Problemas”