(2) “Psicanálise e Esquizoanálise – Efeitos, Jovens Analistas e a Potência Micropolítica” [título criado por Anderson Santos]
“A prova de que os autores acertaram em sua decisão é que ela teve na época – e continua tendo ainda hoje – efeitos contundentes de ativação dessa potência em várias regiões do mundo (especialmente na América Latina) e não só no campo da psicanálise. Nesse campo específico, dita potência foi bastante ativada no Brasil, desde os anos 1980 das viagens de Guattari ao país; o que vem acontecendo cada vez mais intensa e apuradamente na última década, por grupos de jovens analistas, em iniciativas independentes das instituições oficiais, sejam elas psicanalíticas ou acadêmicas.
Eles instauram clínicas coletivas nas zonas marginalizadas das cidades, dispondo-se a redesenhar teórica e pragmaticamente o dispositivo do trabalho com o inconsciente, em função dos afetos que resultam da trama relacional que se tece entre eles e seus interlocutores nestas zonas – na maioria dos casos, situados em posições distintas das assim chamadas classes, raças, etc. na tal hierarquia enganosa e, portanto, portadores de outras frequências de vibração, outros tipos de eu-mesmo, outros mundos, outras línguas. É nesta trama que se traçam linhas de fuga da situação inicialmente compartilhada.
É essa disposição o que diferencia tais iniciativas, pois, como já mencionado, não basta levar o dispositivo psicanalítico para fora de seu exercício tradicional nos consultórios ou nas instituições de saúde mental se o trabalho não consistir em redesenhá-lo por efeito dos agenciamentos coletivos de enunciação que surgem dos encontros que acontecem nestes contextos. Em síntese, em tais iniciativas busca-se exercer a potência micropolítica recalcada na psicanálise, operando um trabalho de descolonização do inconsciente, não só dos próprios psicanalistas e seu dispositivo teórico-pragmático, mas também dos contextos em que atuam.
Entre estas iniciativas, destacam-se aquelas empreendidas por psicanalistas afro-brasileiros, que ativam a potência micropolítica da psicanálise, por meio de sua composição com a potência micropolítica de que são portadoras suas tradições ancestrais, que vêm sendo igualmente ativadas e atualizadas no presente. A isso se acresce sua consciência aguda do papel central que o racismo tem, no país, na estruturação da subjetividade e nas formações do inconsciente do campo social.
Nesta composição entre a psicanálise e tais cosmologias se desenham novas cartografias conceituais, distintas de ambas tradições, as quais incorporam aportes de psicanalistas, antropólogos e historiadores afro-brasileiros de gerações anteriores (principalmente mulheres – Lélia González, Neusa Santos Souza e Beatriz Nascimento são exemplos, entre outros, dessas autoras e ativistas)[i] que já vinham trabalhando nessa direção, bem como de psicanalistas afrodescendentes de outros países (como é, especialmente, o caso de Frantz Fanon, uma das referências fundamentais dessa nova geração de analistas).
Em alguns casos, são inclusive incorporados aportes da obra de Guattari e de sua parceria com Deleuze, bem como da mencionada vertente filosófica na qual se inscreve seu pensamento (sobretudo as obras de Espinoza e de Nietzsche). Mas independentemente de essas iniciativas estabelecerem ou não um elo explícito com a obra tais pensadores, esse elo existe virtualmente pela sintonia que há entre ambas, a qual reverbera nas marcas dos efeitos das repetidas vindas de Guattari ao país na memória daqueles que com ele conviveram, nos diferentes encontros coletivos que tiveram lugar nessas viagens ou que leram o testemunho de parte destes encontros no livro Micropolítica: cartografias do desejo.”
Leia o texto completo no livro: “PSICANÁLISE E ESQUIZOANÁLISE: DIFERENÇA E COMPOSIÇÃO” (org. Anderson Santos, n-1 edições, 2022).
Leia a parte 1: “Psicanálise e/ou Esquizoanálise? Alma, Nomeações e Falsos Problemas”
