Poema de Arthur Rimbaud “A ETERNIDADE” e Comentários do Tradutor

A ETERNIDADE¹

 

Achada, é verdade?

Quem? – A Eternidade

É o mar que se evade

Com o sol à tarde.

 

Alma sentinela

Murmura teu rogo

De noite tão nula

E um dia de fogo.

 

A humanos sufrágios,

E impulsos comuns

Que então te avantajes

E voes segundo…

 

Pois que apenas delas,

Brasas de cetim,

O Dever se exala

Sem dizer-se: enfim.

 

Nada de esperança,

E nenhum oriétur.

Ciência em paciência,

Só o suplício é certo.

 

Achada, é verdade?

Quem? A Eternidade.

É o mar que se evade

Com o sol à tarde.

 

Maio de 1872.

 

Tradução e Notas: Ivo Barroso. In: Arthur Rimbaud / Poesia Completa. Edição Bilíngue. – Rio de Janeiro: Topbooks, 1995.

Poema original:

 

L’ÉTERNITÉ

 

Elle est retrouvée.

Quoi ? – L’Éternité.

C’est la mer allée

Avec le soleil.

 

Âme sentinelle,

Murmurons l’aveu

De la nuit si nulle

Et du jour en feu.

 

Des humains suffrages,

Des communs élans

Là tu te dégages

Et voles selon.

 

Puisque de vous seules,

Braises de satin,

Le Devoir s’exhale

Sans qu’on dise: enfin.

 

Là pas d’espérance,

Nul orietur.

Science avec patience,

Le supplice est sûr.

 

Elle est retrouvée.

Quoi ? – L’éternité.

C’est la mer allée

Avec le soleil.

 

Mai 1872.

 

NOTAS:

1. A obscuridade deste poema suscitou numerosas tentativas de interpretação. Parece que R. quis exprimir de uma só vez as sensações e pensamentos que lhe ocorriam à mente, com imagens de um simbolismo criptográfico. Predomina o tema da liberdade na natureza, da evasão da vida social e religiosa e ao mesmo tempo a consciência do mal e do malogro. A grande dificuldade de traduzir este poema surge logo na primeira quadra em que há uma dupla rima interna de que poucos se dão conta: la mer al / avec le soleil. Uma das soluções que em que trabalhei durante muito tempo era: É o mar de tarde / que arde com o sol. Do ponto de vista rímico, a solução era boa, mas alterava o sentido do verso, bem mais dinâmico, em que o mar se vai com o sol, em vez de “engoli-lo”, como na imagística dos clássicos. Outra dificuldade eram as rimas com vogal trocada (sentinelle/nulle // élans/selon // seule/exale), de manutenção necessária por se tratar de um recurso com o qual R. vinha experimentando. Além disso, na terceira quadra aquele selon… suspensivo era um dado de manutenção imperiosa, com observância de todo o seu sentido de continuidade (de acordo,  conforme, como quiseres). Na terceira, o latinismo oriétur, que significa “Ele virá [nascerá]”, que aparece com frequência no Velho Testamento como sendo a promessa de Deus do envio do Messias, é uma das pedras-de-toque de R., por isso incontornável. Significa: nada de promessa, nada de admitir essa vinda possível de um salvador, não temos necessidade dele, pois que não há dois caminhos possíveis, mas só um que é o suplício, o desespero. Vejamos Etiemble: “Alusão ao texto sagrado: Et orietur vobis nomen meum sol justitiae, et sanitas in pennis ejus. Dizendo “Nada de esperança”, R. recusa a segunda virtude teologal; recusando o orietur, recusa o “verdadeiro sol”, o “sol da justiça”, “o deus cristão”.  NT

Também traduzida por Augusto de Campos e Carlos Lima. NT

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