É com razão que os helenistas lembram que, mesmo no venerável Édipo, era já de “política” que se tratava. Eles simplesmente se enganam quando concluem que, sendo assim, a libido nada tem a ver com isso. É precisamente o contrário: o que a libido investe através dos elementos disjuntos de Édipo, e justamente na medida em que esses elementos nunca formam uma estrutura mental autônoma expressiva, são os cortes extrafamiliares, subfamiliares, essas formas da produção social que estão em relação com a produção desejante.
A esquizoanálise, portanto, não esconde ser uma psicanálise política e social, uma análise militante: não porque generalizaria Édipo na cultura, o que se tem feito atualmente de maneira tão ridícula, mas, ao contrário, porque ela se propõe mostrar a existência de um investimento libidinal inconsciente da produção social histórica, distinto dos investimentos conscientes que coexistem com ele.
Proust não se engana ao dizer que, longe de fazer uma obra intimista, ele vai mais longe do que os defensores de uma arte populista ou proletária que se limitam a descrever o social e o político em obras “voluntariamente” expressivas. Seu interesse próprio é dirigido à maneira pela qual o caso Dreyfus e, em seguida, a guerra de 1914 recortam as famílias e nelas introduzem novos cortes e novas conexões que trazem consigo um remanejamento da libido heterossexual e homossexual (por exemplo, no meio em decomposição que é o dos Guermantes).
É próprio da libido investir o campo social sob formas inconscientes e assim alucinar toda a história, delirar as civilizações, os continentes e as raças, e “sentir” intensamente um devir mundial. Não há cadeia significante sem um chinês, um árabe, um negro que passam pela cabeça e vêm perturbar a noite de um branco paranoico.
A esquizoanálise procura desfazer o inconsciente expressivo edipiano, sempre artificial, repressivo e reprimido, mediatizado pela família, para atingir o inconsciente produtivo imediato.
Sim, a família é um estímulo — mas um estímulo de valor qualquer, um indutor que não é organizador nem desorganizador. Quanto à resposta, ela vem sempre de outra parte. E se há uma linguagem, ela está do lado da resposta e não do estímulo. Mesmo a psicanálise edipiana reconheceu a indiferença das imagens parentais efetivas, a irredutibilidade da resposta à estimulação que elas operam. Mas ela se contentou em compreender a resposta a partir de um simbolismo expressivo ainda familiar, em vez de a interpretar num sistema inconsciente da produção enquanto tal (economia analítica).
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Deleuze e Guattari. Produção desejante e investimento da produção social. Em “O anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia”, 1972.