O produto mais importante da máquina capitalística é a subjetividade
Diferentemente do que pensam muitos, o produto mais relevante das máquinas capitalísticas não é o capital e sim a subjetividade.
De já, é preciso demarcar que a concepção de subjetividade adotada aqui é pensada por autores como Foucault, Deleuze e Guattari que recusam todas noções encapsuladas, substancializadas e estruturadas de subjetividade, que tomam esta como sinônimo de identidade, interioridade e apontam a noção de subjetivação enquanto processo constituído por agenciamentos coletivos de enunciação.
Há máquinas por todos os lados, dizem Deleuze e Guattari no Anti-Édipo, somos todos bricolagens, fluxos que se atravessam, se encontram, composições, decomposições, cortes em um inconsciente (indústria) que tem no desejo a pura produção de intensidades e realteridades e não a falta e a representação do teatro edipiano.
Há que se pensar que a subjetivação é produzida incessantemente através de encontros, de agenciamentos, produzidos por vetores de ordem plural sejam os de ordem molar (as linhas de segmentaridade dura), as moleculares (as linhas de segmentaridade maleável) e as linhas de fuga. Longe de qualquer dicotomização, essas linhas se atravessam, se torcem, apagam, cortam, ligam-se na constituição ininterrupta dos processos de subjetivação.
Não há um sujeito interiorizado, intrapsíquico, formatado… Há somente fluxos por todos os lados, o desejo não cessa de efetuá-los, as máquinas não cessam de cortá-los, acoplá-los… Não há, por exemplo, como pensar a máquina desejante dissociada das máquinas sociais, nem uma subjetividade dissociada de processos políticos, econômicos, sociais. Os estados operam relações diretas com os fluxos dos corpos, diz-nos o Anti-Édipo. No que diz respeito ao Capitalismo, podemos perceber que máquinas capitalísticas operam uma relação direta com os fluxos ora descodificando-os (produzindo desterritorializações) ora produzindo axiomatizações, tal qual as máquinas despóticas produziram codificações dos fluxos descodificados. A axiomática capitalista funciona nesse duplo movimento desterritorializando os fluxos sociais codificados, reterritorializando-os na forma da axiomática capitalística: lógica privada, individualizada, individualista, visão de lucro, competitividade. O Estado é a expressão maior do aparelho de captura, que produz desorganizações programadas para que a reorganização seja a favor dos seus interesses, dos seus moldes. A lembrar do CAOS produzido com interesses de reforçar o status quo, da ideia de crise, da austeridade, para que os movimentos aberrantes se sintam culpados por sua resistência, para que a massa deseje o status quo, ou até mesmo o fascismo.
No que diz respeito aos movimentos aberrantes, vale lembrar dos fluxos esquizo que fogem aos limites do capital, que não se curvam às lógicas familialistas psicanalíticas que consideram o desejo como falta e prendem o desejo à triangulação edipiana. O esquizo ri da cara do Édipo Rei, levanta do divã e passeia, torce linhas, costura fluxos ziguezagueando caosmoticamente. Os fluxos descodificados são capazes de fazer ruir as máquinas capitalísticas, por sua crueldade, por sua criatividade e maleabilidade de fugas diante dos limites.
Nesse sentido, é válido lembrar da História da Loucura do Foucault e a forma que o Estado Burguês agiu diante dos insanos, dos vagabundos, pedintes, andarilhos (tudo que fugia aos axiomas capitalistas e não operavam em sua lógica do lucro, do consumo, do capital): ENCLAUSURAMENTO.
A Psiquiatria transformou a loucura em Doença Mental a ser corrigida, curada, excluída, violentada… O platonismo e o mundo ideal, a igreja e o céu-inferno, o iluminismo e a criação do homem da razão e seu oposto: o insano, o positivismo e a norma atuaram utilizando de suas máquinas de natureza plural para negar determinados modos de vida em favor de uma lógica superior, numa perspectiva moral: o ideal, o fiel, o homem racional, o normal: como diria de forma inventiva a Suely Rolnik: o Cis-AntropoFaloEgoLogoCêntrico.
Desde muito tempo os agenciamentos de poder utilizam de suas máquinas para fazer os corpos se distanciarem do que podem em favor de um território circunscrito, de acordo com determinadas configurações, normas, lógicas. Concomitantemente, faz com que a ordem do mesmo, o status quo, o acontecido em nós seja desejável. A saber, substituindo a lógica da codificação típica do Estado Despótico, a máquina capitalística opera por uma máxima/matriz/fórmula do capitalismo operar: o axioma. Axiomatizar é fazer qualquer fluxo funcionar a favor do capitalismo, como forma de controle dos fluxos seja de maneira ostensiva, seja de maneira manipulatória a partir da lógica de atender os direitos, onde os corpos assujeitados creem que são livres.
Dessa maneira, os Estados produzem agenciamentos visando a produção de uma subjetividade serializada, controlada, identitária, visto que é mais fácil de controlar os corpos-rebanho que têm suas máquinas desejantes operando um modo estratificado de funcionamento a favor do capital. O corpo aqui é afastado de sua potência, capturado por um organismo que o enche de órgãos, funções, definições, formas, sujeito-fôrma.
Há que se distinguir os fluxos descodificados produzidos pelas máquinas desejantes, que operam modos esquizopoiéticos de produzir reAlteridades e não cessam de criar intensidades, de criar Corpos sem Órgãos, agenciadas por linhas de fuga plurais e intensivas; e as descodificações produzidas pela máquina capitalística que desorganizam com o intuito de reterritorializar dentro dos seus ditames. Aqui cabe falar sobre o desejo de fascismo na atualidade, faz parte da produção de subjetividade os agenciamentos de poder produzirem nos corpos o desejo por sua própria repressão, como nos diria Reich, e ao contrário do que se pensa de serem alienados.
Como Amauri Ferreira nos lembra do contexto histórico e econômico da Alemanha quando a massa desejou o nazismo de Hitler, a lembrar do nosso contexto histórico e econômico na atualidade quando as pessoas vão às ruas pedindo intervenção militar ou pedem por Bolsonaro em 2018.
Há que se apostar em outras temporalidades, instalar-se sobre os estratos e experimentar fissuras que nos permitam criar CsO’s potentes, torcem linhas de segmentaridade duras que nos permitam rupturas a favor de linhas de fuga, experimentar a partir dos axiomas a criar de fluxos esquizo descodificados que se façam máquina de guerra ao Estado e suas capturas. Sobretudo é necessário audácia, ousadia para que se possam apostar nas produções das máquinas desejantes numa tarefa positiva, para que se possa desfazer, destruir, desfalicilizar, o fascismo em nós, o poder, o Édipo à luz de uma implicação ético-estético-política e prudência para que as linhas de fuga não se tornem linhas de destruição. A aposta não é na territorialização, institucionalização da resistência, pois estas já são capturadas pelo estado e axiomatizadas porque não conseguem fazer seus fluxos correrem livremente, mas sim nas revoluções moleculares, nos devires minoritários que criam microguerrilhas no âmbito do desejo e produzem outras possibilidades de existir, sentir, atuar, outras temporalidades, outras linhas.
A máquina capitalística investe na produção de subjetividade, pois neste produto reside sua possibilidade de agir de forma absurda no consumo, na produção de lucro, no controle dos corpos.
Os fluxos esquizo que nos passeiam e nos constituem e onde residem uma possibilidade de criação de outras possibilidades de existir seguem sendo temidos, controlados, axiomatizados, reprimidos pela máquina capitalística em suas marionetes (ciência, mídia, polícia)…
Já pensou quão nocivo é para o capitalismo um corpo potente, com uma força esquizopoiética dos devires minoritários, um corpo que não estivesse afastado de sua potência.
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